Freud à tarde, T.S. Eliot ao jantar – é assim nas agendas de bolso de Virginia Woolf

A última entrada na sua agenda diária é do dia em que resolveu entrar no rio Ouse, perto da sua casa de Rodmell, em Sussex, com os bolsos cheios de pedras: 28 de Março de 1941. A lápis, alguém escreveu simplesmente “morreu”. Muito provavelmente Leonard, o marido da autora de As Ondas e de Mrs. Dalloway.

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T. S. Eliot com Virginia Woolf na Monk's House Ottoline Morrell

Virginia Woolf tinha 59 anos e receava estar a enlouquecer definitivamente, escreveu nas cartas que deixou, uma para a irmã, Vanessa Bell, outra para Leonard Woolf.

Agora as oito agendas que a acompanharam nos últimos 11 anos – anos difíceis por causa dos longos períodos depressivos em que não chegava a levantar-se da cama – fazem parte da colecção da Universidade de Sussex, que tinha já no seu acervo outros manuscritos da escritora a quem devemos Orlando,Um Quarto Só para Si e Rumo ao Farol. Graças a uma bolsa do museu Victoria & Albert e de outros apoios públicos e privados, a universidade britânica conseguiu comprá-las por 60 mil libras (73500 euros) num leilão da Sotheby’s, em Dezembro.

No site da universidade, a responsável pelas colecções especiais, Fiona Courage, explica por que razão o conjunto de oito agendas de bolso é um óptimo complemento aos Monk's House Papers, designação geral do acervo de manuscritos de Virginia Woolf oriundos da sua casa em Sussex, doado à instituição em 1972, que inclui cartas de familiares, editores, amigos e admiradores, assim como anotações de leituras várias, esboços de ensaios e algumas das suas obras escritas à máquina e corrigidas à mão pela própria autora.

“Esta colecção representa a vida de todos os dias, da mesma maneira que as agendas de bolso”, diz Courage. “As nossas colecções relacionam-se com Virginia Woolf enquanto pessoa e não com a sua persona pública de romancista e ensaísta.”

Em breve, explica esta curadora da Universidade de Sussex, as oito agendas compradas à Sotheby’s estarão facilmente à disposição de investigadores, alunos, admiradores e público em geral, mas por agora só serão consultados mediante marcação. “As actividades registadas nestas agendas podem não ter chegado aos seus diários mais detalhados, mas são significativas no que diz respeito ao seu quotidiano, ao círculo social em que se movia e ao seu estado físico e mental”, continua Courage.

Estas agendas vão de 1930 a 1941 e dão conta, por exemplo, dos seus encontros com os membros do Grupo de Bloomsbury, círculo de intelectuais, escritores e artistas britânicos de que fazia parte e que lançou uma alternativa humanista à rígida moral vitoriana, avançando com propostas mais liberais nas áreas da religião, do pensamento, da economia e até da sexualidade.

Nas suas agendas Woolf regista, por exemplo, reuniões com “Morgan” (o romancista E.M. Forster) e com “Tom” (o poeta e crítico literário T. S. Eliot), marca visitas a Vanessa Bell e até a Sigmund Freud. No dia 28 de Janeiro de 1939, por exemplo, terá tido um dia atarefado, encontrando-se com o psicanalista às seis e com Eliot ao jantar.

Em algumas entradas há, por vezes, riscos a lápis sobre datas e acontecimentos, acompanhados da palavra “cama”. Isto corresponde, dizem os especialistas que as analisaram, a períodos em que a saúde física e mental da escritora a obrigava a ficar em repouso.

Virginia Woolf (1882-1941) suicidou-se quando tinha acabado de escrever Entre os Actos, romance que só viria a ser publicado depois da sua morte. Sentia que se aproximava uma das habituais depressões em que mergulhava. Ouvia vozes, tinha dificuldade em concentrar-se e não conseguia ler nem escrever, diz na última carta que dirige ao marido, antes de vestir o casaco comprido e de se atirar ao rio, com os bolsos pesados.

“Caríssimo, tenho a certeza de que estou a enlouquecer outra vez. Sinto que não consigo suportar mais nenhum daqueles períodos terríveis. E que desta vez não vou recuperar. […] Não acredito que duas pessoas pudessem ter sido mais felizes até que esta doença terrível chegou. Já não posso lutar mais. […] Se alguém pudesse ter-me salvado terias sido tu.”

A corrente arrastou o corpo da escritora, que viria a ser recuperado três semanas depois. Leonard enterrou as suas cinzas no jardim da casa de Rodmell, Monk's House, à sobra de um ulmeiro. Virginia Woolf não queria voltar a ter de escrever a palavra “cama” numa das suas agendas.

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