Classificação de "Vertigo" cria polémica entre distribuidora e Inspecção-Geral das Actividades Culturais

Comunicado da Midas Filmes, distribuidora do filme, denuncia a não classificação de Vertigo como filme de qualidade. A inspecção diz que "não foi requerida a classificação.

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É tido como uma das obras-primas da cinematografia mundial e, este ano, foi considerado o melhor filme de todos os tempos numa votação da prestigiada Sight & Sound, a revista mensal do The British Film Institute, mas a Comissão da Classificação de Espectáculos da Secretaria de Estado da Cultura portuguesa acaba de lhe negar o estatuto de Filme de Qualidade, denuncia um comunicado desta sexta-feira da Midas Filmes.

“Este facto seria apenas ridículo se não fosse sintoma muito mais grave da forma como o Estado continua a tratar o cinema entre nós”, diz o comunicado da distribuidora de Pedro Borges que repôs esta quinta-feira o filme em cópia digital no circuito comercial português.      

O comunicado esclarece que a classificação foi criada na década de 1980 e se destina a isentar os distribuidores da taxa de distribuição de 150 euros devidos pela estreia de cada filme, tratando-se, assim, de uma medida destinada a estimular e discriminar positivamente as estreias entendidas como meritórias.

Para Pedro Borges este não é um caso inédito, lembrando que já em 1991 a classificação de Europa, de Lars Von Trier, como um filme sem qualidade gerou controvérsia no meio. No entanto, o produtor considerou importante denunciar publicamente esta questão, tendo em conta que está em discussão a regulamentação da nova lei do cinema, esta quinta-feira aprovada em conselho de ministros.

"Eu já vejo este género de disparates há mais de 20 anos. Não se trata de ser contra o pagamento de taxas mas contra a forma como as coisas acontecem", disse ao PÚBLICO Pedro Borges, que defende a revisão de "todo o funcionamento no que diz respeito ao cinema. "A inspecção devia ser feita por uma comissão ligada ao cinema, estas pessoas avaliam espectáculos de todo o tipo", acrescenta ainda o produtor, explicando que é preciso "olhar para a forma como o Estado regula estas classificações". 

O produtor acredita que esta é uma oportunidade para se "tratar" do sector do cinema, esperando que prevaleça o "bom senso". "É importante que exista uma classificação etária mas quando se trata de uma classificação de qualidade estamos a falar de outros factores."

Contactada pelo PÚBLICO, a Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC), através do inspector-geral Luís Silveira Botelho, esclareceu em resposta por email que "não foi requerida à Comissão de Classificação a atribuição da menção de qualidade, a qual se baseia na reunião cumulativa de critérios específicos legalmente consagrados". "Foi sim requerida a classificação etária da obra, a qual foi atribuída de acordo com os critérios legais em vigor", acrescenta a nota. 

Pedro Borges contrapõe que não "existe especificamente o pedido", uma vez que esta classificação de qualidade "não está dependente de pedido".

A Inspecção-Geral das Actividades Culturais acrescenta que independentemente da decisão, a produtora pode sempre pedir a revisão da classificação ou atribuição de determinada menção, "o que até ao momento não ocorreu".

"No resto, a Comissão de Classificação não deve pronunciar-se sobre outros canais que os distribuidores entendam utilizar para a projecção das suas obras, mas sim sobre pedidos devidamente fundamentados e em conformidade com os critérios legais em vigor, sendo que no caso da qualidade, a lei prevê a reunião cumulativa dos aspetos 'artístico, temático, pedagógico e técnico'", explica ainda Luís Silveira Botelho.

Na experiência de Luís Urbano, da produtora O Som e a Fúria, esta classificação de qualidade não precisa de ser pedida: “É uma iniciativa da IGAC”. “E por isso neste caso, houve uma falta de sensibilidade. Vertigo devia ter sido classificado, não faz sentido”, acrescentou Urbano, lembrando que já o mesmo tinha acontecido com Tabu, de Miguel Gomes.

O filme

Com Kim Novak e James Stewart como protagonistas, Vertigo/A Mulher que Viveu Duas Vezes (1958) é um dos filmes mais conhecidos de Alfred Hitchcock, juntamente com The Birds/Os Pássaros (1963). Na nomeação deste ano dos 100 filmes mais importantes do mundo pela Sight & Sound, em que participaram 846 críticos, académicos e distribuidores de cinema, destronou Citizen Kane/O Mundo a Seus Pés (1941), o filme de Orson Welles que há 50 anos (ou seja, há cinco votações) ocupava o lugar cimeiro da lista.

Segundo os números apresentados pela revista, Vertigo, que em 1972 ficou no décimo-primeiro lugar da lista, chegou ao top ten em 1982 – dois anos após a morte do realizador. “Cresceu firmemente na estima” dos votantes “ao longo de 30 anos”: em 1992 saltou do sétimo lugar para o quarto e, dez anos depois, para o segundo. Precisou de esperar pela votação seguinte para subir o último degrau dos 100 mais, afastando “o Velho Mestre”, como se lê no site da revista.   

“Tanto na distribuição em salas de cinema como na edição DVD, os distribuidores de bom cinema continuam seriamente penalizados” pela Inspecção-Geral de Actividades Culturais, diz o comunicado da Midas, que acusa as entidades estatais de “recolherem da actividade cinematográfica milhões e milhões de euros anualmente desviados do cinema não se sabe muito bem para onde”. “Pior do que isso, só mesmo considerar que Vertigo não é um filme de qualidade”, conclui o documento. 

Notícia actualizada às 19h30 com reacção da  Inspecção-Geral das Actividades Culturais

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