Em Matthew E. White, o jazz transformou-se num portento soul

O cantor americano, formado nas vanguardas do jazz, lançou o ano passado Big Inner , álbum de uma soul tão rica quanto delicada, e desarmou-nos a todos. Agora, é tempo de mostrar o álbum em dois concertos. Esta sexta-feira em Lisboa, no Musicbox, sábado no Centro de Arte de Ovar.

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Matthew E. White Shawn Brackbill
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Sara Padgett

Matthew E. White é um homem grande com ar bondoso, de barba farta e cabelo comprido. Um homem que parece saído de uma comuna hippie, não fossem o fato branco de bom recorte em que primeiro o vimos em fotos promocionais. Matthew E. White, nascido na Virgínia e rapaz viajado, “culpa” dos pais, missionários que o levaram consigo enquanto espalhavam a Palavra, por exemplo, nas Filipinas, foi autor de uma das grandes surpresas discográficas do ano passado.

Big Inner, o seu álbum de estreia, revelou-nos uma imensa alma soul exposta em voz quente, quase sussurrada, e uma riqueza musical desarmante, construída com sumptuosos arranjos de cordas e metais. Matthew E. White chega agora a Portugal. Já conhecemos o disco. Agora é tempo de ver como esse deslumbrante Big Inner ganha vida em palco. Sexta-feira estará no Musicbox, em Lisboa (24h, 14€, com concerto seguido dos ritmos latinos do Baile Tropicante). Sábado apresenta-se no Centro de Arte de Ovar (22h, 10€).

Antes de se mostrar em nome próprio, Matthew E. White navegara outras águas. Formado no jazz, fora fundador dos Ride The Big Bull e era no meio jazz mais vanguardista que se movia. Ainda assim, ao lado de colaborações com Ken Vandermark surgia trabalho com Bon Iver ou os Megafaun, estes músicos saídos do jazz mas tornados reconstrutores da folk americana – sinal ténue do que estava guardado ao virar da esquina. Tudo começou quando fundou na sua pequena cidade, Richmond, a editora Spacebomb Records. Projecto ambicioso: reunindo a comunidade musical local, propôs-se funcionar à sua escala como a Stax ou a Motown na década de 1960. Ou seja, ser uma linha de montagem de música que, apesar da sua diversidade, tivesse uma identidade imediatamente reconhecível.

A uma banda residente, onde se inclui o próprio Matthew E. White, juntaram-se compositores, arranjadores, secções de cordas e de metais. “Tendo acesso a esta maravilhosa comunidade musical, pensei que seria interessante pôr tudo sob o mesmo guarda-chuva”, explicava ao Ípsilon aquando da edição europeia de Big Inner. Para apresentação da editora ao mundo, escolheu ser ele mesmo a dar o primeiro. Dessa forma, caso algo corresse mal, seria ele, o fundador, o instigador, o principal responsável pelo falhanço. Correu tudo menos mal.

Álbum tão ambicioso quanto discreta é a voz de Matthew E. White, Big Inner foi apresentado como súmula de toda a grande música americana do século XX (entre 1915 e 1975, precisou o seu autor). Nele, canta-se amor com toque do veludo, suspira-se “Will you love me?” sobre harmonias delicadas e uma atenção ao detalhe que torna inevitável a resposta positiva. Isto, sem pôr de lado a pura fruição física do funk apontado à pista de dança, metais swingando, guitarra picando o ritmo, percussões a aumentar a sensação de luxúria musical.

Big Inner é um título com duas leituras. Podemos lê-lo também enquanto "Beginner" (“principiante”), mas nada nele denuncia a timidez dos primeiros passos. Matthew E. White, 31 anos, soube esperar o tempo certo. Quando lhe perguntámos porque demorara tanto a mostrar este seu lado de “cantautor” ancorado na soul, respondeu com um provérbio popular americano. “Não fales se não tens nada a dizer”. Ouvimo-lo agora porque descobriu o que dizer e como o dizer. O que canta é viagem à intimidade dos sentimentos. A música que toca é quase um manifesto que se impõe pela suavidade e elegância, não pela força da proclamação. “Isto é música americana”, declara. Percebeu que era esse o “manifesto” que queria lançar ao ouvir os tropicalistas brasileiros que tanto admira, homens como Tom Zé ou Caetano Veloso, que “formaram um movimento nacional muito proactivo” onde “a música folclórica” convivia “com a música clássica do século XX” – movimento através do qual declararam, precisamente, “Isto é música brasileira”.

Matthew E. White pegou na história da soul e da folk, em cantautores como Randy Newman ou na música saída na Califórnia na década de 1960, juntou uma série de bons conspiradores na sua Spacebomb e fez nasceu “Big Inner”. Foi um dos grandes discos de 2013. Esperam-se dois grandes concertos em 2014.

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