Eduardo Afonso Dias e "o que conseguimos e não conseguimos fazer no design em Portugal”

Até 6 de Julho, O Design Possível. 50 anos de Profissão mostra uma carreira focada na relação com a indústria e uma vocação para a exportação.

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50 colecções - cerca de 400 peças, no segundo piso do museu Miguel Manso
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Miguel Manso

Eduardo Afonso Dias é uma ponte e um facilitador. Queria ter sido fotógrafo, ou talvez cineasta, e estudou escultura. Fez-se designer e os seus 55 anos de carreira agora expostos no Museu do Design e da Moda (Mude), em Lisboa, fazem a ponte entre os pioneiros do design em Portugal e os contemporâneos, mostrando relações entre a indústria e o design, entre Portugal e a Europa. Facas portuguesas com sucesso de venda no Ikea e relações constantes com o estrangeiro que fizeram com que, por exemplo, a estrela Philippe Starck produzisse peças em Portugal.

Aos 78 anos, conversa com as 50 colecções - cerca de 400 peças - da sua autoria a espraiar-se atrás de si no segundo piso do museu. Brilham os cobres da série Cooktime, de 1984, ou as faianças vidradas de Stela, linha de 1980 produzida na Venda das Raparigas e vendida na Escandinávia. Os sofás vermelhos de mognos curvos da série Ritz (1989), para o hotel lisboeta, ou os talheres Omo, produzidos para a Lever para saírem com o detergente homónimo, bem como as cutelarias Gume – cujo protótipo levou em mãos até à sede do gigante sueco Ikea na década de 1970 para o convencer a comercializar facas de cabo de faia produzida em Portugal.

“Não tenho pretensão a fazer design de ruptura, gostaria, mas foi assim que considerei o panorama das pequenas e médias unidades de produção com que trabalhei 30 anos”, resume ao PÚBLICO a poucas horas da inauguração da retrospectiva da sua carreira. Um adepto da produção industrial, um dialogante constante com as empresas e com os seus limites – daí o título da mostra, Eduardo Afonso Dias. O Design Possível. 50 anos de Profissão, o design exequível entre constrangimentos. Meticuloso arquivista, guardou as peças, desenhos técnicos, protótipos, catálogos e recortes de imprensa do que desenhou na sua carreira e são elas que constituem o espólio de 350 colecções que agora doa ao Mude.

Professor, descobriu-se como designer graças a um dos pioneiros da profissão em Portugal. “Quando me cruzei com o Daciano [da Costa]. Antes disso, trabalhei com o mestre Frederico George e isso foi o primeiro sinal.” O design, para ele, é “cultura, cultura do desenho, de ética projectual, da hierarquização de características, do acto de projectar seja uma colher ou um interior, permanente ou efémero. Tudo isso aprendi” com Daciano.

Hoje, em sua casa, tantas das suas peças continuam a fazer parte da sua vida, porque “às vezes dá jeito um tacho de cobre ou uma peixeira”. Pedaços de si, do seu trabalho, residem nas casas dos filhos e familiares. “Faço uso delas mas não de uma maneira doentia, nem ligo, sou desprendido.”

O comissário Rui Carreto, designer e professor, dividiu com Eduardo Afonso Dias a tarefa de criar um percurso por anos de história feito de baldes de plástico, usos pioneiros do aglomerado de cortiça, candeeiros, mesas e canecas coloridas. “A verdadeira mensagem do percurso de vida de Eduardo Afonso Dias é o trabalho de relação entre o design e o tecido empresarial. É um analista do processo de fabrico, visitava as fábricas, percebia o que era possível produzir e criava a partir dessa capacidade produtiva. A grande diferença é a visão de que os produtos criados são para exportar. Ainda hoje parece uma utopia.”

Mas ele fê-lo, apesar “das grandes deficiências” das fábricas. “Foi uma luta diária. O acrescentar mais-valias com a valência do design não era compreendido e até hoje não é”, diz Eduardo Afonso Dias, que ia ao encontro das fábricas e de outros designers, como Philippe Starck, que convenceu a produzir em Portugal o cinzeiro Joe Cactus ou o rádio LaLaLa. Cruzou-se com a arquitectura de interiores - Teatro Villaret, Cinema Castil, Valentim de Carvalho da Av. de Roma, Hotel Alvor, trabalhando no importante atelier de Conceição Silva - como é típico de muitos dos que nasciam para o design. Também desenhou logotipos, stands, ensinou no IADE e na Faculdade de Arquitectura e recebeu o Grande Prémio da Bienal de Design Industrial em 1983 e o Prémio Nacional de Design Industrial em 1992.  E “foi um dos pioneiros em Portugal na gestão do design”, assinala Rui Carreto, vendo a peça para além do desenho, pensando na venda, promovendo-a e eliminando até os intermediários quando formou a Uniteam - Exportação, Design e Gestão. “O design visto por ele é um design para o mercado. Não é só a obra-prima, algo visual, de contemplação. São objectos utilitários.”

O mobiliário Tróia, com os seus puxadores redondos recortados na madeira escura, recheou os aparthotéis de uma das grandes obras da conturbada década de 1970 portuguesa. Está na exposição, conta a directora do museu, Bárbara Coutinho, por doação do Ikea, que as adquiriu à galeria de design Bessa Pereira e as ofereceu ao museu como reconhecimento do designer. Para o museu, esta colecção preenche um espaço no acervo que “que faz a ponte entre os pioneiros do design português e a nova geração”, diz Bárbara Coutinho, mas também “a realidade de diferentes sectores de produção nacionais nos últimos 50 anos” e as “potencialidades e vicissitudes, as contradições do que conseguimos e não conseguimos fazer no design em Portugal”. Objectos cuja “beleza está na concepção, no processo, na metodologia do design. Preservado neste espólio está a metodologia do design. Para ele, o design possível”, resume o comissário. 

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