E não deixam nada

A lei do preço fixo foi aprovada há uns anos para regular um sector cultural determinante – o livro. No entanto, deu lugar recentemente a uma situação de desregulação completa que se pode resumir com facilidade: a lei não é cumprida pela FNAC, nem pela Bertrand (as grandes cadeias de venda ao público de livros), mas é cumprida pelas livrarias independentes.

Recorde-se que a lei estabelece que o livreiro é obrigado a manter o preço fixo de um livro estabelecido pelo editor durante 18 meses após a publicação e apenas pode praticar, se o desejar, um desconto de 10%. No entanto, as duas cadeias referidas que dominam o mercado fazem descontos diversos, envolvendo novos títulos, sem se preocuparem com a lei, enquanto os outros não o podem legalmente fazer.

Acresce ainda que os livreiros independentes ou as pequenas cadeias de livrarias nunca conseguirão comprar livros nas condições destas duas grandes cadeias, porque a lei da concorrência também não funciona em Portugal. No caso dos livros, tal acontece por vários motivos, um dos quais está precisamente no facto de existir uma lei (dita) mais rigorosa, para defender as livrarias independentes, precisamente a lei do preço fixo do livro. Assim seria efectivamente, se a lei fosse cumprida. Sucede, porém, que não é.

Do ponto de vista do editor independente, esta situação não é menos grave que para os livreiros, pois existe abuso inegável de posição dominante de cadeias que estão presentes em todo o percurso de um livro, desde a recepção do original até ao posto de venda, o que não acontece em nenhum país europeu que se preze e defenda a sua cultura, como fazendo parte da sua identidade cultural.

Morreram todas as históricas livrarias de referência no país e actualmente sobrevivem apenas algumas novas e corajosas apostas, também elas condenadas, porém, a viverem a prazo, com morte anunciada. Como dizia alguém, estas livrarias são uma espécie de talho de carne de porco na Arábia Saudita…

Se a isto juntarmos o facto de as grandes cadeias de livrarias terem deixado de o ser, objectivamente, para passarem a vendedores "remax’s" de centímetros de prateleiras, de bocadinhos de montras, de bocadinhos de panfletos comerciais, de quadradinhos de topos, de metade do espaço de um livro numa estante, de centímetros de mesa para caber uma lombada estreitinha, de fotografias em folhetos, e o esmagamento da margem dos editores, temos o panorama do sector livreiro do país. Mas há ainda pior: além disso, tentam até comprar o poder político ou a influência nas associações profissionais, não vá o diabo tecê-las. 

Aqui chegados, restam dois caminhos: ou se aplica a lei do preço fixo a todos e não apenas aos independentes e aos pequenos, ou se revoga a lei do preço fixo de imediato e se faz cumprir a lei da concorrência, forçando toda a gente a comprar o que vende rigorosamente nas mesmas condições e com as margens que muito bem entender.

A situação a que chegámos, essa sim, é inaceitável num Estado de Direito, porque se traduz na consagração da "lei da selva". Resta saber o que faz a Secretaria de Estado da Cultura neste domínio, porque não está a exercer, como lhe compete, as funções reguladoras do mercado. No caso dos livros que vivem independentes do Estado (excepto o livro escolar), a Secretaria de Estado da Cultura ao menos que exerça o papel de regulador que ninguém pode exercer em seu lugar. Até porque essa função reguladora não precisa de verbas extraordinárias no Orçamento do Estado.

Alêtheia Editores
 
 

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