Dia da Livraria e do Livreiro em defesa da “bibliodiversidade”

Livrarias independentes convidam os leitores a fazer a festa da leitura, um dia depois de a Inspecção-Geral das Actividades Culturais lhes dar razão pela violação da Lei do Preço Fixo nas campanhas de Natal da Bertrand e FNAC

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Livraria independente Ler Devagar Jose Sarmento Matos

Pelo segundo ano consecutivo, assinala-se a 30 de Novembro o Dia da Livraria e do Livreiro. Uma ideia importada de Espanha pela Fundação José Saramago e pelo movimento Encontro Livreiro.

“Esperamos que sirva para destacar a livraria e o livreiro como elementos centrais no percurso do livro – desde a ideia e a escrita do autor até à leitura e à reescrita de cada leitor – e na consolidação da leitura como pedra angular do desenvolvimento de um país que se queira verdadeiramente livre”, dizem ao PÚBLICO Sérgio Machado Letria, director da fundação, e Luís Guerra, organizador do Encontro Livreiro, numa resposta conjunta via email.

“Entre o livro e a leitura estou eu, o livreiro. O escritor publica a escrita, o editor publica o livro, o livreiro publica a leitura”, uma frase de Manuel Medeiros, conhecido como o “Livreiro Velho”, que inspira “as gentes do livro” para a comemoração deste dia. Fátima Ribeiro de Medeiros, com quem fundou a livraria Culsete em Setúbal há 40 anos, diz: “Apenas uma livraria independente oferece uma verdadeira ‘bibliodiversidade’.”
A professora e investigadora em literatura e também livreira defende: “Cada vez mais os livreiros independentes têm de se unir, criar formas de união que ultrapassem o querer e o dizer, para poderem agir como um bloco contra todos os ataques e investidas que chegam de muitos lados. Precisamos também de ter o leitor do nosso lado. Temos de ser todos a uma só voz. Sem medos.”

Palavras ditas na véspera de saber que a queixa que subscreveu contra as campanhas de Natal da cadeia de livrarias Bertrand e lojas FNAC tinha sido considerada pertinente pela Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC).
“Não é de agora que as grandes cadeias de venda de livros andam a comprometer a saúde financeira das livrarias independentes com políticas de venda sem a mínima ética. Mas este ano refinaram a sua estratégia. E nós unimo-nos. E estamos aí a enfrentá-los, a mostrar-lhes que vender livros não é o mesmo que vender batatas, ou maçãs, ou enlatados. Vender livros é uma atitude cultural e civilizacional.”

A IGAC deu-lhes razão pela queixa de que aquelas campanhas violam a Lei do Preço Fixo (artigos n.ºs 4, 11 e 14) porque os descontos de 25% (Bertrand) e a possibilidade de comprar quatro livros e pagar apenas três (FNAC) abrangem também as novidades editoriais.
Para Fátima Medeiros, que neste sábado receberá na sua livraria, num Encontro Livreiro Especial, o diploma Livreiro da Esperança Culsete – 40 anos, “dias como este também ajudam a reflectir sobre estas questões”. Sérgio Machado Letria e Luís Guerra esperam que a data sirva “para que os livreiros, apesar das duríssimas dificuldades que enfrentam, possam receber os seus leitores, premiando-os e brindando-os das mais diversas formas”.

Segundo Maria Carlos Loureiro, da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, existem 55 livrarias independentes em Portugal, “mais de metade situa-se na Grande Lisboa e Grande Porto”. Esta instituição tem tentado “identificar livrarias independentes (que não apenas virtuais) com actividade cultural paralela (mesmo que mínima), sobretudo livrarias de fundos com focalização em géneros de difícil valor de mercado (baixas tiragens e baixa rotação, como a poesia, por exemplo), infanto-juvenil e alfarrabistas com actividade cultural”. No entanto, Maria Carlos Loureiro admite que existam mais, até porque não se contabilizaram livrarias-papelarias.

As que subscreveram a queixa foram 26 (de todo o país) e em muitas delas haverá neste sábado actividades e promoções especiais (que não abrangem novidades editoriais), num dia que se quer de festa: “Da livraria, do livreiro, do leitor!” (os programas podem ser consultados no blogue do Dia da Livraria e do Livreiro http://diadalivrariaedolivreiro.wordpress.com/).

A Fundação José Saramago e o Encontro Livreiro têm perfeita consciência de que “muitos livreiros lutam hoje pela sobrevivência, mas gostam muito do que fazem, querem defender a sua profissão e sabem que os leitores são os seus principais aliados”. Por isso esperam “que os leitores acorram às livrarias num dia que, sendo da Livraria e do Livreiro, é também o dia do leitor”.

Sérgio Machado Letria e Luís Guerra dizem saber que se vive “um tempo agreste de ditadura do efémero, do fugaz, do espalhafatoso e não um tempo do que é perene, do que é duradouro, do que perdura para além dos tops, dos holofotes, da fanfarra ensurdecedora que nos distrai do essencial”. Por essas razões, estão “muito felizes pela parceria que a Fundação José Saramago e o Encontro Livreiro, uma entidade ligada a um autor e um movimento que quer juntar as gentes do livro, estabeleceram desde o ano passado” e desejam que “cresça e se desenvolva por muitos e longos anos”.

Para Fátima Ribeiro de Medeiros, “tem um sabor especial” receber o diploma Livreiro da Esperança Culsete – 40 anos no Dia da Livraria e do Livreiro. “Este é o nosso dia, o dia de todos os que se consideram filhos da leitura, todos os que amamos e defendemos a nossa mãe-leitura até às últimas consequências. Livreiros e leitores. Só por si é um grande dia de festa que na Culsete será vivido mais intensamente por esta atribuição.”

No entanto, explica: “[Foi uma] decisão tomada à nossa revelia e tornada pública no Encontro Livreiro, o blogue do movimento. Se tivéssemos tido conhecimento prévio desse intento, teríamos pedido para que não avançasse, pois não parece justo receber um diploma que nós próprios concebemos e decidimos entregar a livrarias independentes com tradição de promoção de leitura. A subscrição do diploma teve a adesão de centenas de pessoas, conhecidas e desconhecidas, de perto e de longe, pessoas muito distintas umas das outras, mas que têm em comum o serem leitores e daí tirarem muito proveito e fruição.
Eu própria e Manuel Medeiros consideramos este diploma um dos melhores galardões que qualquer livreiro pode desejar, por partir de dentro, das ‘gentes do livro’. Porque ‘estamos todos num mesmo barco’, como escreveu em devido tempo Rosa Azevedo.”

A livreira, privada agora do seu companheiro “Livreiro Velho”, que morreu há pouco mais de um mês, convida “todos a visitarem a sua livraria de proximidade, a juntarem a sua voz à do livreiro, contribuindo para a manutenção de espaços do livro que se abram ao desenvolvimento cultural do seu país, ajudando a formar cidadãos mais informados, mais cultos, mais actuantes, mais livres”. E termina enfaticamente as suas declarações ao PÚBLICO: “Um viva às livrarias independentes! Um viva a todas as livreiras e livreiros! Um viva a todos os leitores! Boas leituras!”
 

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