Dez dias no festival de Berlim

Aqui estão sete percursos possíveis pelo programa do festival de cinema.

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A actriz chinesa Huo siyan na abertura do festival no ano passado

A partir de quinta-feira e até 17 de Fevereiro próximo, Berlim é o centro das atenções do mundo do cinema: dez dias non-stop durante os quais duas centenas de filmes vão passar pelos ecrãs da 63ª edição da Berlinale. É fácil perdermo-nos na oferta, inimaginável para quem nunca esteve num dos "três grandes" festivais de cinema do mundo.

O Mestre

Dificilmente se poderia querer melhor abertura para um festival: o novo filme de Wong Kar-wai, o mestre de Hong Kong que Disponível para Amar ergueu a super-estrela do cinema de autor. Wong é igualmente presidente do júri, pelo que The Grandmaster, já estreado na China, será apresentado fora de competição – mas o filme é tanto mais aguardado quanto há seis anos não tínhamos notícias do cineasta (que, na última década, apenas realizou dois filmes que não encheram as medidas dos fãs, 2046 e O Sabor do Amor). The Grandmaster é uma abordagem ao cinema de artes marciais (que Wong já experimentara em Ashes of Time) através da história de Ip Man, o mestre que ensinou Bruce Lee, interpretado pelo actor Tony Leung Chiu-wai. E, para já, é o maior êxito comercial do cineasta em territórios asiáticos.


 
Os veteranos da independência

Numa altura em que tanto se fala da crise do cinema independente americano, Berlim acolhe a concurso dois dos veteranos que contribuiram para a sua renovação nos anos 1980; dois cineastas que têm sabido manter a sua integridade, entre projectos abertamente de estúdio e obras mais pessoais. Steven Soderbergh, cujo Sexo, Mentiras e Vídeo deu início à "explosão" do festival de Sundance, traz aquele que diz ser o seu último filme antes de se retirar, o thriller Efeitos Secundários, com Jude Law, Catherine Zeta-Jones e Rooney Mara. Gus van Sant mostra Terra Prometida, num reencontro com Matt Damon, igualmente actor principal e argumentista, nos moldes de O Bom Rebelde. Fora de concurso, estará igualmente presente um terceiro nome-chave da vaga Sundance: Richard Linklater, que traz Before Midnight, terceiro filme interpretado e semi-improvisado com os amantes desencontrados Julie Delpy e Ethan Hawke, após Antes do Amanhecer e Antes do Anoitecer.

O futuro da independência

Por muito que se fale de crise, contudo, a produção independente americana continua a prosperar, e Berlim tem um acordo recente com o festival de Sundance para se tornar na "filial europeia" daquele certame. Reencontramos, por isso, vários dos filmes que deram que falar em Sundance 2013 na programação da Berlinale, espalhados pelas secções paralelas; a começar pela biografia da actriz de Garganta Funda, Linda Lovelace, Lovelace, com Amanda Seyfried e Sharon Stone, ou pela exploração de James Franco e Travis Matthews das cenas "cortadas" de A Caça de William Friedkin em Interior. Leather Bar. Outros títulos da edição deste ano presentes em Berlim serão Don Jon’s Addiction, estreia na realização do actor Joseph Gordon-Levitt, Upstream Color, de Shane Carruth, Computer Chess, de Andrew Bujalski, Concussion, de Stacie Passon e, na competição principal, Prince Avalanche de David Gordon Green e The Necessary Death of Charlie Countryman de Fredrik Bond.

O Irão, outra vez

Há dois anos, Jafar Panahi fazia sair do Irão Isto Não é um Filme escondido num bolo. Não sabemos como é que fez sair este ano Pardé (traduzido por Cortina Fechada), mas sabemos que este filme, sobre dois fugitivos que se escondem numa mesma casa, parece prolongar o dispositivo de meta-cinema de Isto Não é um Filme, questionando como é que um cineasta que já não pode filmar pode continuar a fazer filmes. Tal como aquele, também Pardé foi co-realizado (com Kambozia Partovi). E Berlim tem uma ligação especial com Panahi: deu-lhe o Prémio Especial do Júri por Offside em 2006, e nomeou-o membro honorário quando a sua proibição de viajar foi imposta, precisamente à beira de partir para Berlim em 2011.

As divas

Não é coisa muito comum encontrar as três "divas" estabelecidas do cinema francês juntas a concurso no mesmo festival. Acontece este ano em Berlim, com Juliette Binoche, Isabelle Huppert e Catherine Deneuve com filmes novos a concurso. Aquele que mais curiosidade levanta é Camille Claudel 1915, que confirma o empenho de Binoche em transcender a sua "zona de conforto": depois de Abbas Kiarostami ou Hou Hsiao-hsien, é a vez de trabalhar com o controverso realizador francês Bruno Dumont (Hadewijch, Fora Satanás) num filme sobre a estadia da escultora Camille Claudel num hospital psiquiátrico. Deneuve interpreta uma mulher em crise que reequaciona toda a sua vida em Elle s’en va, dirigido por Emmanuelle Bercot. Isabelle Huppert, por seu lado, surge no elenco de uma nova adaptação de A Religiosa, de Diderot, pelo romancista e cineasta Guillaume Nicloux, com Pauline Etienne no papel principal. A ver vamos se fará esquecer a versão de Jacques Rivette.

Os clássicos

As retrospectivas temáticas da Berlinale, que homenagearam em anos recentes Ingmar Bergman ou a produção do estúdio da Alemanha de Leste DEFA, são justamente aclamadas. Este ano, a retrospectiva principal debruça-se sobre a geração de cineastas formados na República de Weimar que abandonaram o país com a ascensão do nazismo na retrospectiva principal. "O Toque de Weimar" mostra a extensão da "diáspora" desses cineastas, técnicos e artistas no cinema global – entre os quais Billy Wilder, Fritz Lang ou Max Ophüls. Articulando-se com esta retrospectiva, haverá uma homenagem ao documentarista Claude Lanzmann, autor da incontornável obra sobre o Holocausto que é Shoah. Na secção paralela Berlinale Classics, mostrar-se-ão as versões restauradas de quatro clássicos da história do cinema: o caso mais complicado era Cabaret – Adeus Berlim, de Bob Fosse, cujos negativos se encontravam em péssimo estado. Os outros são a versão 3D de Chamada para a Morte, de Alfred Hitchcock; Há Lodo no Cais, de Elia Kazan, com Marlon Brando, agora restaurado no formato digital de maior resolução (4K); e Viagem a Tóquio, de Yasujiro Ozu.

Os convidados

Como vários outros festivais, Berlim tem uma estrutura de apoio a jovens cineastas, o Berlinale Talent Campus, que todos os anos convida nomes de peso para dar master-classes abertas ao público. O programa deste ano é particularmente impressionante, abrindo com o controverso cineasta holandês Paul Verhoeven, o autor de Instinto Fatal e Showgirls. Walter Murch, o lendário sonoplasta e montador, cúmplice de Coppola em Apocalypse Now ou O Vigilante, virá falar da arte de esculpir o som de um filme; Jane Campion, a realizadora de O Piano, fala da sua carreira e mostra o seu mais recente trabalho, a mini-série para televisão Top of the Lake, com Elisabeth Moss, Peter Mullan e Holly Hunter. Outros convidados são Anita Ekberg, a beleza sueca imortalizada por La Dolce Vita de Fellini, e o cineasta inglês Ken Loach que traz o seu documentário The Spirit of ‘45, sobre a ascensão ao poder do Partido Trabalhista após a II Guerra Mundial. E haverá ainda uma homenagem ao falecido Chris Marker, com a projecção do clássico La Jetée acompanhada por uma discussão sobre a sua influência no cinema moderno.
 
 

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