Desconto maior na comissão foi preponderante na escolha da Christie’s para vender os Miró

A leiloeira tinha proposto inicialmente patamares de comissão em função dos valores de cada obra aos quais acrescentou posteriormente um desconto de 13,5%.

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Até à data do leilão, as obras devem manter-se longe da vista do público Reuters

O factor decisivo na escolha da Christie’s pela Parvalorem para o leilão das 85 obras de Joan Miró, na posse do Estado desde a nacionalização do BPN, foi o desconto na comissão de leilão que a leiloeira iria cobrar pela colocação da colecção no mercado, ao que o PÚBLICO apurou. A leiloeira tinha proposto inicialmente patamares de comissão em função dos valores de cada obra aos quais acrescentou posteriormente um desconto de 13,5%.

Foi exactamente a maximização do encaixe que ditou a escolha da Christie’s para levar estas obras à praça, mesmo que juridicamente os advogados da Parvalorem (empresa detida a 100% pelo Estado para gerir os activos tóxicos do BPN) tivessem dado melhor pontuação à concorrente Sotheby’s por ser “mais clara” em termos contratuais. Segundo o documento a que o PÚBLICO teve acesso, assinado pelos advogados da PLMJ que estão a assessorar a Parvalorem neste processo, a Christie’s apresentava uma proposta de contrato “divergente” do Caderno de Encargos apresentado pela empresa, o que poderia violar “o princípio da igualdade”. “Logo, potencialmente, pôr em crise todo o procedimento (na medida em que um concorrente preterido poderá sempre vir a alegar que, caso lhe tivesse sido dado essa oportunidade, teria apresentado uma proposta diferente)”, apontam os advogados.

Na sua proposta à minuta do contrato, a Christie’s não aceita, “por completo”, duas cláusulas do Caderno de Encargos relativas à possibilidade de aplicação de penalidades e à possibilidade de execução das garantias sem prévia decisão judicial, possibilidade que, segundo o parecer dos advogados, deixa a Parvalorem “particularmente desprotegida”, em caso de incumprimento por parte da leiloeira. Ao PÚBLICO, fonte ligada ao processo garante que estas questões foram resolvidas numa negociação posterior e o contrato final, que a Parvalorem não revela alegando uma cláusula de confidencialidade, “é o mais protector possível para os interesses do Estado”.

Se a Christie’s, como se lê na documentação, se negava a pagar uma caução de 500 mil euros, neste momento, diz a mesma fonte, a leiloeira já adiantou este montante à Parvalorem. Ou seja, a Parvalorem já recebeu um adiantamento de 500 mil euros. Além de que a leiloeira não aceitava a cláusula que determinava o pagamento de uma penalidade em caso de incumprimento baseada na fórmula: P (penaildade) = V (valor do Contrato x A (dias em atraso, incluindo sábados, domingos e feriados) / 100. Neste caso, em vez da totalidade do contrato foi negociado que a conta se faz com apenas 20% do valor deste.

E a estas alterações, a leiloeira juntou ainda um desconto ao Estado na comissão que cobra pela venda das obras. Quando um licitador compra uma obra aceita que além do preço de aquisição (o preço de venda a martelo) vá pagar ainda à Christie’s uma comissão que pode ir até aos 25% (ver caixa). O Estado português recebe sempre 13,5%. “De notar que, esta nova comissão de 13,5% acrescida ao valor de martelo, se traduz num esforço financeiro (custo) para a leiloeira se o valor da obra ultrapassar os 6,6 milhões de euros”, lê-se na avaliação da proposta, que afasta assim a proposta da Sotheby’s, cuja comissão seria apenas de 5%.

“O preço foi a ponderação dominante e a avaliação final resultou disso”, explicou fonte ligada ao processo, revelando que a “renegociação foi pacífica”, na medida em que a Christie’s “aceitou sem reversas que o Caderno de Encargos prevalecesse”.

Todas as propostas das leiloeiras interessadas neste negócio – a Bonhams, a Phillips, a Sotheby’s e a Christie’s – tiveram de ter em consideração o Caderno de Encargos do procedimento de ajuste directo relativo ao contrato de prestação de serviço para a venda das obras elaborado pela Parvalorem. Para avaliar as propostas o presidente da empresa, Francisco Nogueira Leite, nomeou um “júri independente”, “sem a presença de qualquer membro do conselho de administração”. O que significa que Francisco Nogueira Leite, como o próprio já explicou, não fez parte do processo de escolha das leiloeiras, “limitando-se a aceitar a proposta que lhe foi entregue”.

O contrato, cujos detalhes finais se desconhecem, será agora escrutinado pelo Tribunal de Contas. Nogueira Leite já fez saber que vai entregar o documento na próxima segunda-feira. Pediu entretanto uma audiência com a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, que já disse querer travar a venda das obras.

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