Criatividade repetitiva

Ocorreu há alguns meses atrás, em Viana do Castelo, o congresso internacional “Viana Criativa – Cittaslow ambiente favorável para a criatividade”.

O acontecimento assinalou a adesão da cidade a essa rede urbana designada cittaslow que pretende ver na pequena e média dimensão das cidades e na (suposta) qualidade de vida a elas inerente, factores vantajosos para a implementação de um contexto criativo que se reflectiria nas pessoas, nos lugares e nos negócios.

No meio do frenesim contemporâneo tem-se assistido a uma tentativa de afirmar as tendências slow, desde a alimentação (slow cooking e slow food) à moda (slow fashion), passando pela investigação científica (slow science, surgida na Alemanha em 2010, com manifesto e tudo).

As boas intenções e os lugares-comuns recorrentes caracterizaram o discurso produzido. Um dos conferencistas convidados para o congresso de Viana foi Tom Fleming, figura habitual em encontros relacionados com as indústrias criativas, que falou de “Small, slow and successful”. O aspecto mais interessante da sua intervenção consistiu no apelo às cidades para programarem a sua reinvenção cultural, primeiro, com base nas especificidades identitárias que já possuem e
não com base em modelos importados de outros lugares; segundo, com base nas dinâmicas e nos valores culturais já enraizados e não na concepção de ghettos de actividades criativas; terceiro, com base no cruzamento de tradição
e de inovação.

O apelo que fez aos responsáveis autárquicos para reflectirem internamente antes de realizarem qualquer viagem de reconhecimento a cidades que já passaram por processos semelhantes, configurou um conselho benévolo, mas muito difícil de seguir. De facto, no discurso dos governantes locais que anseiam pela revitalização dos seus centros urbanos reconhecem-se sempre os casos que os motivaram além-fronteiras.

À imagem de outras personalidades que ouvi recentemente, como Charles Landry, em Lisboa, Tom Fleming e os grandes consultores na área das indústrias criativas têm vindo a fazer, não apenas a crítica às ideias saturadas sobre o modo de desenvolver culturalmente (e criativamente) as cidades – em que se pressente até um tom de auto-crítica – mas principalmente a denúncia de projectos implementados entre os anos 1990 e a transição para o século XXI que acabaram por ruir, em parte devido àquela lógica de replicação sistemática. Essa denúncia é feita de forma cautelosa, doseada em
comentários bem-humorados, já que esses consultores são pagos pelas cidades que os convidam, ávidas de exemplos bem-sucedidos e de receitas prontas a aplicar. Tal expectativa é gerida pelo próprio consultor, cuidadosamente e sem se colocar em causa. É que e todo o cuidado é pouco para manter viva a necessidade da sua perícia.

A reprodução de fórmulas de actuação revela um mundo urbano em criatividade repetitiva. Esta questão leva-me a uma outra, a da distância estratégica que devemos manter em relação a muita da literatura associada às indústrias criativas. Misturam-se com certa leveza análises encomendadas por diferentes entidades oficiais, estudos académicos e essa literatura oriunda do domínio da consultoria, sedutora e recheada de imagens apelativas, acriticamente recebida. É urgente a triagem de documentos, estudos e de toda a literatura produzida sob a chancela das Indústrias Criativas.

Como atrás referi, a denúncia da retórica tem feito caminho, mas lentamente, como convém ao slow movement. Neste particular, talvez não fosse mau acelerar um pouco.

Laura Castro, professora da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, no Porto

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