Colocar a língua portuguesa num pedestal

O New York Times usou a expressão do título deste artigo quando se felicitou pela inauguração do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. Sete anos depois, foi exactamente disso que se tratou na conferência em Lisboa sobre a afirmação do português no mundo.

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A exposição sobre Fernando Pessoa no Museu da Língua em 2010 Marcia Lessa

Se fosse virtual, a IIª Conferência sobre a Língua Portuguesa em Lisboa podia começar com uma visita, no Museu da Língua Portuguesa de São Paulo. Uma visita guiada pelo director Antonio Sartini do primeiro museu dedicado a um património tão imaterial como uma língua. Um museu com honras no New York Times, que na altura se congratulou por finalmente “a língua portuguesa ser colocada no pedestal que merecia”, lembrou Antonio Sartini, na mesa que coordenou, esta quarta-feira, dedicada à internacionalização e indústrias culturais.

O museu é um dos mais visitados do Brasil e da América Latina. Desde a inauguração, recebeu mais de 3,3 milhões de pessoas, das quais 350 mil visitantes não lusófonos, na cidade, São Paulo, o maior centro urbano da lusofonia com os seus 12 milhões de habitantes.

Antonio Sartini fala do museu como “um belo exemplo do potencial que as indústrias culturais têm na internacionalização”. O responsável propõe um olhar sobre os Estados Unidos e a Inglaterra, países onde a música ou o cinema colocaram o inglês “no imaginário de todo o mundo”.

O desafio do português também é esse. Continuar a expansão, mostrando-se mais ao mundo, através da cultura, mas também da ciência e inovação e da diplomacia, com uma presença desejada como língua de trabalho ou oficial de organizações, como as Nações Unidas, e um peso, sempre crescente, no mundo digital.

Por isso, na mesa que presidiu – encerrada pelo secretário de Estado da Cultura Jorge Barreto Xavier – Antonio Sartini estava acompanhado, entre outros, pela embaixadora Graça Mira Gomes, da representação permanente de Portugal junto da União Europeia, por Arlindo Isabel, fundador da Editora Nzila de Angola, e hoje editor da Mayamba, por Amaral Lala, do Instituto de Relações Internacionais do Mirex (Ministério das Relações Exteriores de Angola), e por António Branco, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

“Não é só o poderio dos estados que determina a importância da língua”, frisou Amaral Lala. “É o prestígio das universidades, a obra publicada, o modelo cultural e a capacidade de exportar esse modelo.” É isso que transporta a língua, e a sua influência, para o sistema mundial. “A área do conhecimento é fundamental.”

Na véspera, também Emir Suaiden, professor do Departamento de Ciência da Informação e Documentação da Universidade de Brasília e ex-director do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, falara na importância da produção científica se fazer em português, notando que embora o Brasil seja o 13º maior país do mundo em produção científica, “a visibilidade internacional dos países lusófonos ainda é fraca”. E sustentou: nos rankings das 200 maiores universidades "não há nenhuma de língua portuguesa".

Sem escola, não há português
As aspirações de uns e de outros mostram como os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) caminham “a duas velocidades”, salientou, já no último dia da conferência, Arlindo Isabel. Além de Portugal e do Brasil, “os outros países vivem realidades completamente diferentes quanto à promoção da língua”. É preciso apoiar a escola, melhorar o ensino do português, estimular as diásporas em países vizinhos de estados lusófonos, que podem ser âncoras para despertar o interesse pelo português de pessoas que ainda não falam português.

Também o acesso a computadores e plataformas de acesso à Internet não é o mesmo quer se esteja em Timor-Leste e Guiné-Bissau ou no Brasil e Portugal. E esse acesso é uma das condições necessárias, referiu António Branco, para que o português se internacionalize e se torne como o inglês ou o francês, uma língua presente em ambiente internacional de multilinguismo. Uma língua de que não se prescinde.

“A língua pode ser um poderoso instrumento” de afirmação e influência dos países. Mas “para que a língua portuguesa seja exportada para fora do espaço da CPLP devem ser criadas as condições internas”, frisou Amaral Lala. E não estão. A escola, peça fundamental nesse processo, ainda é deficitária em muitos países da CPLP. “O acesso à escola é o acesso à língua portuguesa” em muitos países onde a população fala mais facilmente os idiomas locais e nacionais, acrescentou. Aí, ainda há populações analfabetas. Mas também há muitas pessoas interessadas em falar português, em países tão distantes e isolados do resto dos países lusófonos como Timor-Leste.

“Não bastam as declarações de vontade”, disse Graça Mira Gomes, a propósito das aspirações declaradas dos chefes de Estado e de Governo da CPLP sobre o estatuto do português como língua oficial ou de trabalho na ONU. “Trata-se de um objectivo de grande relevância política. Tornaria a ONU mais democrática”, acrescentou. Mas concretizar objectivos como esse é mais difícil do que parece, alertou.

Lusófonos em altos cargos
É preciso investimento na formação de tradutores e intérpretes para elevar, como é desejo expresso dos responsáveis governamentais dos países da CPLP, o português a esse estatuto, que reflectiria o “peso demográfico, cultural, político e económico” da língua portuguesa.

Os oito países da CPLP representam 3,7% da população mundial, ocupam seis espaços económicos regionais repartidos por quatro continentes que envolvem 1800 milhões de pessoas, ou seja, cerca de um quarto da população do planeta, lembrara na véspera Eugénio Anacoreta Correia, coordenador da Comissão Temática de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa da CPLP, para lembrar “o extraordinário potencial económico da língua portuguesa”.

“Mas é preciso definir objectivos realistas”, porque o português esbarra nesses fóruns com “sensibilidades políticas em Nova Iorque” que dificultam o processo, ou com semelhante pretensão de outros países ou parceiros de outros quadros regionais que põem resistências a um protagonismo de pessoas que falem português, notou Graça Mira Gomes.

O português António Guterres é Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. O brasileiro Roberto Azevêdo é o novo director da Organização Mundial do Comércio. Também a FAO (Agência das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) tem um brasileiro, José Graziano das Silva, aos comandos desde 2011. Para Ana Paula Laborinho, presidente do Instituto Camões e presidente da comissão organizadora, a presença de responsáveis lusófonos nos mais altos cargos da ONU “também é uma forma de promover a língua portuguesa no mundo”.
 
 

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