Brasil: historiador nega existência da Escola de Sagres

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Pestana Ramos: "Não há prova factual, como vestígios arqueológicos ou documentos originais, que possam comprovar a existência de uma escola em Sagres" Daniel Rocha

A escola de navegação de Sagres jamais existiu, sendo apenas um mito construído pelo fervor nacionalista da historiografia portuguesa do período romântico do século XIX. A tese é do historiador brasileiro Fábio Pestana Ramos, no seu mais recente livro "Por Mares Nunca Dante Navegados", resultado de dois anos de investigação em diversas bibliotecas de Portugal e do Brasil.

"Não há prova factual, como vestígios arqueológicos ou documentos originais, que possam comprovar a existência de uma escola em Sagres", afirmou à agência Lusa o historiador, neto de portugueses da Ilha da Madeira.

Pestana Ramos salientou que as citações sobre a escola de Sagres, supostamente criada pelo Infante D. Henrique para desenvolver tecnologias náuticas, são baseadas apenas numa fonte inglesa. "Na verdade, as citações são baseadas num único mapa de um pirata inglês que registou algumas construções em Sagres na época, nada referente à existência de uma escola de navegação", disse.

No século XIX, o historiador português Oliveira Martins teria utilizado a existência de Sagres "na construção romântica de uma identidade portuguesa que incluía o amplo domínio de tecnologias náuticas". "De facto, existiu apenas a introdução de algumas disciplinas náuticas na Universidade de Lisboa pelo Infante D. Henrique", afirmou o historiador.

Tese já defendida

A tese da inexistência de Sagres já foi defendida também pelo historiador brasileiro Thomaz Marcondes de Souza, em 1953, e pelo português Luís de Albuquerque, em 1990.


O livro do historiador brasileiro, ainda sem previsão de lançamento em Portugal, aborda a aventura das navegações, a motivação dos portugueses ao embarcar, a difícil vida nas travessias e a chegada em África, Índia e no Brasil.

Tempestades, calmarias e naufrágios criavam um inferno a bordo, com uma luta desesperada pela sobrevivência, enquanto o desembarque em terras desconhecidas também representava grande perigo.

O historiador salientou que era comum a utilização de crianças nos navios, dada a falta de mão-de-obra adulta, inclusive para os trabalhos mais pesados.

Como eram sinal de mau agouro, as mulheres viajavam disfarçadas de homens, o que não evitava a ocorrência de violações, muitas vezes colectivas. "Uma mulher a bordo era sempre um foco de tensão, motivo de grande transtorno, no meio de uma tripulação maioritariamente masculina, talvez por isso era considerada símbolo de azar", afirmou.

As mulheres violadas colectivamente por um grupo de marujos eram consideradas culpadas pelo crime de incitação e encarceradas em prostíbulos, logo após o desembarque no Brasil. "Por essa razão, muitas mulheres violadas colectivamente preferiam não denunciar o facto para não correr o risco de passar o resto da vida trancada num prostíbulo", afirmou.

A maioria dos embarcados satisfazia os seus desejos sexuais com outros homens, em relações consumadas pela força ou pela hierarquia, que obrigava os mais humildes a satisfazer as vontades dos superiores.

Brasil longe da imagem de paraíso

O historiador sustenta a tese de que, ao contrário da historiografia tradicional, o Brasil não era visto como o "paraíso, terra de oportunidades" pelos portugueses. "O Brasil era considerado um inferno, um purgatório, para onde eram enviados os excluídos da sociedade portuguesa, como prostitutas, ciganos e servos que fugiam da vida servil", afirma.


A visão de um Brasil paradisíaco também faz parte da construção histórica de uma identidade brasileira, num processo semelhante ao que representou o mito da Escola de Sagres para Portugal.

Por ser considerado um verdadeiro purgatório, os portugueses nascidos no Brasil sofriam grande preconceito ao regressar a Portugal, principalmente nos séculos XVI e XVII. "Eram chamados de 'reinol', uma espécie de cidadão de segunda linha, coisa que não acontecia com os portugueses que nasciam em África, por exemplo", comparou.

Muitos marinheiros conseguiam sobreviver aos naufrágios e passavam a viver entre os nativos, no início da colonização brasileira, apesar das doenças tropicais ou do bicho-de-pé, um das maiores preocupações dos portugueses.

Descoberta de Pedro Álvares Cabral contestada

O historiador também contesta a tese de que o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral, em 1500, a partir de análise de documentos da época. "Na minha opinião existe uma grande possibilidade de o Brasil ter sido descoberto por Bartolomeu Dias ou por outro navegador português, entre 1488 a 1497", afirmou.


"Esse foi um período de intenso descortinar de novas rotas marítimas, que não podiam ser reveladas para não cair nas mãos dos ingleses ou dos espanhóis", concluiu.

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