Asghar Farhadi fez o que se temia, Jia Zhang-ke o que não se esperava

Os filmes dos cineastas iraniano e chinês passaram sexta-feira na competição.

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Um homem (Ali Mosaffa), depois de quatro anos ausente, regressa a pedido da mulher (Berenice Bejo) para finalizarem o processo de divórcio DR

Depois das palmas, no final da sessão de Le Passé, começaram a sobrar as reacções de desapontamento pelos corredores do festival perante o novo filme de Asghar Farhadi, o homem que deu o primeiro Óscar ao Irão com Uma Separação.

Não é nada que não se temesse em relação a esta experiência internacional do cineasta em Paris, cidade a que um homem (Ali Mosaffa), depois de quatro anos ausente, regressa a pedido da mulher (Berenice Bejo, de O Artista) para finalizarem o processo de divórcio, descobrindo então que ela iniciou uma outra relação (com Tahar Rahim, de Um Profeta) – mas sobretudo, evidenciando-se que não há forma de serenar os fantasmas do passado. Chama-se o filme Le Passé.

Como Farhadi procede a esta descoberta é que é o motivo de decepção: menos capaz, como foi em Uma Separação, de trabalhar a partir de um cenário a ocultação e revelação de olhares e recriminações numa família encerrada na sua claustrofobia, vai perdendo aos poucos a ligação do filme a um espaco, agarrando-se aos diálogos. E às tantas Le Passé, que também não tem mistério, opacidade e tensão para dar através dos seus actores, faz figura de filme tagarela em que as revelações começam a atropelar-se como golpes de teatro.

A Touch of Sin podia ser o título de um filme de artes marciais, mas é o título do novo filme de Jia Zhang-ke. Um dos co-produtores é a empresa de Takeshi Kitano, não é difícil a violência gráfica de algumas cenas impor no espectador o fantasma do cineasta japonês; ainda há quem se tenha lembrado de Tarantino. E isto é um filme sobre o tema que os cineastas chineses tem procurado de forma obsessiva: o de uma sociedade impregnada de forma galopante pela violência.

Quatro histórias, um painel sobre a China actual, quatro retratos do desespero e da raiva: um mineiro revoltado contra a corrupção dos líderes da sua aldeia; um operário maravilhado pelas possibilidades da sua arma de fogo; uma empregada de sauna que é levada até limites sanguinolentos por ser confundida com uma prostituta; um jovem operário que escolhe atirar-se de uma varanda por não suportar mais as humilhações. A forma como Jia Zhank-ke dispara, literal e explicitamente, para todo o lado poderá ser um gesto político corajoso, mas fica a dúvida se ele não é esvaziado, mesmo traído, pela grandiloquência insuflada.



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