As ondas do mar das letras dominam o pavilhão de Portugal em Bogotá

O melhor do país mostra-se na Colômbia e o melhor, diz o Presidente da República, "emerge dos seus escritores". Portugal é o convidado de honra da FILbo 2013.

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Cavaco Silva e o homólogo colombiano na feira John Vizcaino/Reuters
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Guillermo LEGARIA/AFP
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Pode ser o ondular das ondas do mar português, ou folhas de papel limpas à espera das letras e dos rabiscos das ilustrações que depois irão compor o livro, ou, simplesmente, a representação da “espuma dos dias”. Do tecto do pavilhão de Portugal na Feira Internacional do Livro de Bogotá (FILbo2013) pendem centenas de panos brancos que esvoaçam ligeiramente à passagem dos visitantes. O espaço é dominado pelo branco, o negro e os azuis.

À imagem do lema da FILbo2013 – “um mar de livros” -, também a representação lusa tem como tema central o mar. Os visitantes do pavilhão português são recebidos por Vergílio Ferreira: “Desde mi idioma se ve el mar” – “Da minha língua vê-se o mar”, lê-se em letras negras sobre espelhos, à entrada.

É esse mar, em que os portugueses se aventuraram, os levou às Índias e os trouxe às Américas, e “lançaram os alicerces do mundo globalizado em que hoje vivemos”, lembrou o Presidente da República, Cavaco Silva, na inauguração do certame que juntará agora, em Bogotá, duas das línguas mais faladas do mundo.

“No seu jeito parabólico, estou certo de que o nosso querido José Saramago não hesitaria em propor que essa ‘jangada de letras’ em que já começamos a navegar nestas águas, se converterá rapidamente numa verdadeira e indispensável ponte transoceânica”, afirmou Vasco Graça Moura, escritor convidado da feira, que discursou no evento, que classificou como um “momento histórico singular”.

O escritor acredita que os portugueses vão encontrar aqui em Bogotá “irmãos da escrita e de outras artes que lhes abrirão as mais férteis perspectivas de diálogo e de cooperação, de interacção cultural e de conhecimento novo para ambos os lados”.

23 autores
Portugal, fez questão de vincar Cavaco Silva, vem a Bogotá “dar a conhecer o seu melhor”. E o melhor com que uma nação se pode apresentar “emerge dos seus escritores, dos seus artistas, daqueles que, através das suas obras, revelam não apenas o talento que individualmente possuem, mas também o mais profundo da identidade colectiva que partilham”.

O espaço de 3000 metros quadrados foi concebido pelo gabinete de arquitectura For Studio (pelos arquitectos Ricardo Paulino, Luís Ricardo, Ivone Gonçalves e Fábio Neves). A produção da representação portuguesa é da responsabilidade da agência de consultoria editorial Booktailors. O comissário é um académico colombiano, Jerónimo Pizarro, que em poucos anos se tornou o maior especialista em literatura portuguesa naquele país.

O pavilhão organiza-se em seis áreas temáticas, separadas por uma espécie de muros que fazem com que, olhando de longe, só se vejam cabeças a circular, como se as pessoas se encontrassem num labirinto. Tanto ali como em diversos espaços da cidade de Bogotá, Portugal vai organizar, por estes dias, concertos, palestras, exposições, exibição de filmes, num total de cerca de uma centena de eventos. Pela feira vão passar pelo menos 23 autores.

Na inauguração, o PUBLICO convidou, para uma curta visita ao pavilhão, o escritor e ilustrador Afonso Cruz, também autor das 32 caricaturas de outros tantos escritores lusófonos com que os visitantes se cruzam nos corredores do pavilhão, como Pessoa com o inseparável monócolo, Camilo Castelo Branco de longo sobretudo e chapéu alto, José Saramago com uma passarola voadora na mão, Gonçalo M. Tavares de pasta debaixo do braço, ou José Eduardo Agualusa de sorriso doce.

“Os escritores e artistas trabalham nas trevas e, como cegos, tateiam na escuridão”, é a frase que acompanha a caricatura de Saramago. As frases não foram escolhidas por Afonso Cruz. Até porque, neste caso, discorda. “Em certa medida, sinto que é o oposto. Há uma parte muito escura quando se escreve, mas há sempre coisas que aparecem sem se saber de onde” .

Mensagem numa garrafa
A exposição que Portugal leva a Bogotá é um somatório de mostras já expostas noutros locais e conteúdos criados de propósito para a FILbo. Há um espaço com fotografias de locais emblemáticos em Portugal chamado “Portugal se presenta”. Ao lado, o público infanto-juvenil é rei: a partir do traço dos livros do ilustrador André Letria, que criou a Pato Lógico, os mais novos podem descobrir as ligações ancestrais e actuais de Portugal ao mar. Além das figuras e dos pedaços de histórias, é possível escrever uma mensagem para colocar dentro de uma garrafa, sentir as texturas marinhas e marítimas – há uma grande caixa que devia ser de areia do mar, mas tem antes uma areia amarela -, ou ouvir os sons do mar, entre outras actividades. Afonso Cruz tem algumas dúvidas sobre a teoria de que é de pequeno que se forma o hábito de leitura. É um pai menos exigente nessa matéria: prefere acreditar que se as crianças tiverem livre acesso (em vez de obrigatório) aos livros isso fomenta a sua vontade de ler.

A seguir, o local de eleição de Afonso Cruz: “Como las cerezas” é uma mostra de 25 ilustradores já exibida em Bolonha no ano passado. “Vivemos um momento muito especial para a ilustração portuguesa”, diz o autor, acrescentando que hoje se consegue fazer um “trabalho alternativo e vender”. Foram quebradas regras formais – “dizia-se que não se podia fazer uma capa totalmente preta” – que exponenciaram a criação e a diversidade. Afonso Cruz estabelece um paralelo com o nobel de Saramago: “Nessa altura apareceram muitos novos escritores porque passámos a acreditar que podíamos ser uma país de romancistas. Houve mais editoras a apostar e novos talentos a escrever.”

No espaço Lisbon Ground, a arquitectura lisboeta toma o palco pelo risco e a voz de 22 arquitectos como Souto Moura, Siza Vieira, Manuel Salgado, Manuel Graça Dias, ou João Gomes da Silva. Ao lado, na cafetaria servem-se sabores portugueses, como os pastéis de Belém que o ministro Paulo Portas queria que o Presidente colombiano provasse.

A última paragem é na biblioteca/livraria, com cerca de 30 mil livros. Houve mesmo 32 obras traduzidas de propósito para o evento. Quando se lhe pede uma curta lista de autores essenciais portugueses para dar a um leitor colombiano, Afonso Cruz não pára de acrescentar nomes à medida que vai  andando entre as estantes. A organização do pavilhão espera que assim seja.

O PÚBLICO viaja a convite da Presidência da República

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