A aristocrata Beyoncé dominou em Lisboa

Está em forma física e criativa. Domina por completo o cenário como se fosse uma aristocrata. Naturalmente só podia ter sido um bom espectáculo, o desta quarta-feira, em Lisboa. Hoje repete a dose. 4 estrelas.

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Não vimos ninguém a vomitar para cima dela como recentemente num espectáculo de Lady Gaga – a forma como se expressa é apaziguadora, não provocadora. Não precisa de ser explicitamente erotizante como Rihanna – mas é sem dúvida sensual. E não transmite mensagens de carácter político incisivas como Madonna, embora estejam lá no acesso às questões de género.

E também não necessita de apresentar um espectáculo hollywoodesco ao nível da grandiosidade. Sim, claro, que o jogo de luzes é irrepreensível, que a cenografia funciona e que existe fogo, confettis e todas as outras fantasias que quase todos os cantores, neste patamar, utilizam. Mas também não é por aí.

Assim, na teoria, poderá existir quem a ache tépida. E no entanto Beyoncé transmite, neste momento, uma aura, um poder, como nenhuma outra cantora no firmamento da música de massas. É altiva e tem um domínio insinuante e preciso do seu corpo. Até os cabelos estão sempre ondulantes, decerto graças a um ventilador cuidadosamente colocado.

Mas o mais relevante é a voz e a forma como o seu corpo a vive. Isso viu-se esta quarta-feira, na primeira de duas noites na repleta Meo Arena – etapa final da longa digressão Ms. Carter Show, iniciada em Abril do ano passado, que meteu pelo meio a edição, em Dezembro, do seu quinto, e melhor, álbum de originais.

Em palco, entre músicos, coros e bailarinos, quase uma vintena de elementos. Apenas dois deles homens. Dois bailarinos gémeos. Como é evidente, não é acaso. É um espectáculo de mulheres, sobre o que é isso de ser-se mulher. É um concerto conceptual, com início, meio e fim, com várias mudanças de roupa e de personagens, quase como se fosse um filme. Aliás, no final, não houve canções extra. Apenas surgiu nos ecrãs a palavra: fim. Como nos filmes.

Aí nitidamente a inspiração parece ter sido Madonna. Com ela aprendeu a atribuir um sentido geral de espectáculo, para enquadrar canções e sucessos avulso. Essa é uma das suas grandes mais-valias – a forma como concebe um concerto com consistência. Embora exista um preço a pagar: dos quatro concertos que lhe vimos ao longo dos anos foi talvez o menos ritmado, precisamente porque cada canção corresponde a um quadro diferente.

A sensação com que se fica depois de a ver em palco é que o aparato cénico poder-se-ia diluir que ela brilharia na mesma, porque realmente é uma intérprete e performer de excepção. Não precisa de aspirar a ser. É, simplesmente, revelando uma intensidade e expressividade interpretativa fora do comum.

Ela é sempre o centro das atenções. Começou com Run the world (girls), perante o delírio geral como era de esperar, seguindo-se ***Flawless, a canção do último álbum que utiliza um discurso da escritora Chimamanda NgoziAdichie, onde se exalta a igualdade social, politica e económica entre homem e mulher.  

Ao longo do concerto de menos de duas horas, baseado nos êxitos (Yoncé, Get me bodied, Baby boy, Diva) e em canções do último álbum, o papel da mulher irá estar quase sempre em destaque. Não há complexidade na abordagem, nem isso era expectável neste tabuleiro de comunicação transversal, mas também não há o traço grosso. Expõe-se de forma cuidada.

Mas não parece calculismo. Até na forma como habita as canções mais lascivas como Naughty girl, Blow ou Partition, fá-lo com movimentos insinuantes, mas nunca cai no óbvio. Basta um golpe seco de anca em cima de uma cadeira e o público rende-se-lhe.

Não faltam também momentos em que comunica de forma mais directa com a assistência, atravessando a extensão do palco para se situar numa plataforma no meio da multidão, interpelando-a directamente. Por norma são instantes onde o seu poderio vocal é mais sublinhado, como na interpretação de Hanted, ou no ambiente acústico de Irreplaceable, ou na abordagem de Drunk in love, a canção que divide com o marido, o rapper Jay-Z.

Crazy in love e Single ladies (put a ring on it) são recebidas em êxtase, devidamente sublinhado com uma chuvada de confetti. E na sequência final há uma pequena homenagem a Whitney Houston (com citação de I will always love you), passagens por Heaven e uma interpretação notável de XO, talvez a melhor canção da noite, e uma versão à flor da pele de Halo.

Ao longo da noite pergunta ao público como se sente, saúda-o, agradece com requinte. E no final sente-se total comunhão entre palco e plateia.  

É nitidamente alguém em estado de graça. Lançou o seu melhor álbum. Está em forma física e criativa. Transmite uma intensidade própria. Domina por completo o cenário como se fosse uma aristocrata. Naturalmente só podia ser um bom espectáculo.

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