Três concertos e O Fim para a despedida de B Fachada

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B Fachada: quase seis anos, 12 discos e uma marca bem inscrita no cenário musical português RUI GAUDENCIO

Hoje toca em Coimbra, amanhã em Lisboa, sexta-feira em Castêlo da Maia. Depois, sairá O Fim, o seu último disco antes da sabática sem discos e sem concertos

B Fachada estava em estúdio a dias do primeiro dos três concertos que dará antes de uma sabática que o afastará dos discos e dos palcos durante "um ano, dois no máximo". Já previra esta pausa quando falámos com ele pela primeira vez, há quatro anos, oito discos e uma vida. Hoje toca no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra (21h30), amanhã no B Leza, em Lisboa (22h), e sexta na Tertúlia Castelense, em Castêlo da Maia (23h30). Depois, o recolhimento.

Mas não, isto não será o fim. B Fachada construiu nos últimos cinco anos um percurso impressionante pela obra criada (13 discos) e pela personalidade musical que fomos descobrindo, entre o entusiasmo com a lírica inesperada e as melodias certeiras e o fascínio pelo risco que ia assumindo ao transformar-se de registo a registo: ora puxando da viola braguesa, ora caindo sobre o piano, ora chamando banda para gravar um disco para crianças, ora sendo lo-fi e depois hi-fi. Por fim, no último Criôlo, destaque da produção musical deste ano, apresentou-se como homem-orquestra sintetizada que abraça funanás e memórias da década de 1980 para revelar a Afro-xula em gloriosa dança com o país todo na cabeça - isto sem esquecermos o álbum de revisita a Os Sobreviventes, o disco de estreia de Sérgio Godinho, que assinou com Francisca "Minta" Cortesão e João "Julie & The Carjackers" Correia.

B Fachada está nos estúdios Golden Pony, na zona da Sé, em Lisboa, a mostrar-nos aquilo que será O Fim, o seu último álbum antes da sabática. Decisão tomada e mais que ponderada. Explica: "A paragem faz ainda mais sentido agora, porque os discos foram sendo feitos como uma família, protegiam-se uns aos outros. Ao contrastar muito, estava a justificar o que vinha atrás e ao mesmo tempo a preparar o que se seguiria. Agora, a melhor protecção será não acrescentar mais, não aumentar a entropia. E deixar assentar os discos, que [ao ritmo de dois por ano] foi coisa que nunca aconteceu. Vai-lhes fazer bem a eles e a mim".

Muitos minutos depois, Fachada lançava uma gargalhada. Perguntáramos se estes quase seis anos de carreira não ganharam dimensão de muitos mais, pela produção constante, pelo que mudou desde que o vimos, ainda imberbe musicalmente, a tocar para uma dúzia de pessoas, até este presente em que corre o país de norte a sul, em que recolhe elogios de monstros sagrados como Sérgio Godinho, em que inspira uma nova geração de nomes como Éme ou Pega Monstro? "Estes foram os meus 30 anos de carreira. Já fiz a piada que ia fazer a caixa B Fachada - Seis anos de carreira". Não são apenas seis anos: "É a vida toda".

O Fim, pelas duas canções que ouvimos, às quais faltavam ainda coros e sintetizadores, é um disco descarnado, orgânico. É Fachada a regressar lá atrás, aos tempos de Viola Braguesa, EP de 2008 e aquele que revelou a sua especificidade, excepcionalidade. A regressar, mas diferente. "Quando passei do primeiro B Fachada (2009) para Há Festa na Moradia (2010), fiquei sempre com aquela sensação: "Um dia vou voltar a fazer um como aquele". Mas a verdade é que nunca regresso. Andamos em frente e a música muda de ano para ano, tal como os nossos ouvidos e a nossa sensibilidade".

De novo a viola braguesa

Em O Fim, que será disponibilizado após os três concertos desta semana, primeiro online, mais tarde em edição física, vamos encontrá-lo novamente com uma viola braguesa nos braços. Uma braguesa eléctrica que ouvimos dedilhada e com um som aberto, quase etéreo na sua gentileza. Fachada canta sobre como transformou a braguesa na sua kora (harpa africana) porque misturar é preciso e hoje temos o mundo todo tão próximo. Canta também sobre a impossibilidade de doutrinar gente supostamente séria e importante. São, afinal, meros oficiais de propaganda.

Não lhe interessa criar música que jogue simplesmente com referências musicais, antes música que seja também "um retrato de um tempo e de um espaço". O seu tempo e os seus espaços: o íntimo, que utiliza de forma desarmante, e o público, exposto perante todos. "A minha maior dedicação é o trabalho com a palavra, o registar de uma língua, de uma expressão". Música e palavra reunidas até que ambas sejam parte de um mesmo corpo. Até "que a forma seja também retrato". Em resumo: "Faço com o que tenho".

B Fachada chegou (e participou) no momento em que uma nova geração estreitou novamente laços com a língua, com a tradição como matéria em permanente construção, enfim, com a vontade de cantar de aqui e para aqui. Esse contexto é-lhe indissociável. "Estamos a perder a ingenuidade e percebemos que provincianos somos todos. Os Beatles são provincianos, os Beach Boys são provincianos, o Tom Waits é provinciano e a nossa província é tão província como as outras". Caem essas barreiras e as reacções são, diz, transversais. Sente-se na música, na literatura, no cinema. E dessa consciência brotam formas muito diferentes, conforme a sensibilidade de cada um. Refere o Gonçalo Tocha de É na Terra, não é na Lua e acrescenta: "O [João] Salavisa não vai fazer um road-movie no Texas". Isto para dizer: "Interessa-me muito mais a relevância que tenho para as pessoas que me ouvem do que a relevância que terei em potência para quem não me vai ouvir". A sua relevância, patente na aclamação crítica, patente no sucesso dos concertos e na circulação crescente da sua música no espaço público, cibernético ou não, é hoje evidente.

Cantautor num novo mundo, o da crise da indústria discográfica e do emergir de novas formas de relacionamento com a música, Fachada olha em frente e tudo nele é optimismo. "A queda de estatuto do músico, de que a indústria tanto se queixa, vai continuar até ao nível onde deveria estar. Todas as pessoas que aparecerem a partir de agora já sabem que a música não é um sítio para enriquecer financeiramente. É para enriquecer porque se criou património. Não para gerar património e ser latifundiário, muito menos no século XXI, em que já toda a gente sabe que para haver alguns com muito, tem que haver muitos com pouco".

Agora, porém, é tempo para O Fim de B Fachada. E depois? "Quando voltar, terei praticamente 30 [anos] e espero que esteja, na minha vida, a entrar numa década mais calma, mas estável e, se calhar, mais complexa e com outra profundidade". O frenesi dos últimos anos, confessa, foi "também fruto da "tenrice", de ser novo". Quando regressar, Fachada quer que a música reflicta mais do que o "apetite" da juventude.

Aguardemos. Quando regressar, logo lhe diremos que apetite é aquele. Por agora, fechou o seu primeiro capítulo. Quase seis anos com o tempo de uma carreira inteira.

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