Antes e depois da Casa da Música

A Casa da Música não veio apenas colmatar uma lacuna no âmbito dos equipamentos culturais no Norte de Portugal - e mesmo que fosse só isso, já seria muito - mas assumiu-se desde o início como um projecto de âmbito nacional e internacional. O seu reconhecimento além-fronteiras é hoje um dado adquirido, bem como o papel imprescindível na vida musical portuguesa como suporte de uma série de agrupamentos residentes, promotora de concertos e pólo de formação e criação artística.

Concebida no âmbito do Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura, teve como principal mentor o pianista Pedro Burmester, tendo-lhe sucedido em 2009, no lugar de director artístico, António Jorge Pacheco (na foto), que continuou o projecto de forma exemplar. O emblemático edifício de Rem Koolhaas só seria inaugurado em 15 de Abril de 2005, mas para trás estavam vários anos de trabalho. Nunca é de mais relembrar que, ao contrário do que costuma suceder em Portugal - constrói-se um edifício para assinalar um evento qualquer e depois logo se vê o que se vai fazer com ele... -, a Casa da Música foi pensada com um horizonte a longo prazo e como um projecto cultural para além do edifício arquitectónico que deveria contemplar diferentes domínios: da música erudita ao jazz, do fado à electrónica, da grande produção internacional às iniciativas mais experimentais.

A Orquestra Nacional do Porto, cujo nome foi alterado em 2010 para Orquestra Sinfónica do Porto - Casa da Música tornou-se um dos agrupamentos residentes, juntamente com o Remix Ensemble, grupo especializado na música contemporânea criado no ano 2000 e o primeiro grande motor de internacionalização da instituição. O seu alto nível qualitativo abriu-lhe as portas dos principais festivais internacionais e a sua integração no circuito europeu da música contemporânea foi reforçado pela adesão da Casa da Música ao Réseau Varèse em 2002. Posteriormente, a instituição integrou também o REMA (Réseau Européen de Musique Ancienne), o que tem permitido várias cooperações internacionais no plano da música antiga, envolvendo a Orquestra Barroca. Um exemplo recente foi a bem-sucedida estreia moderna nos festivais de Sablé e Ambronay da serenata L"Ippolito, do compositor setecentista português Francisco António de Almeida.

Formada em 2003 a partir de um núcleo de instrumentistas do Remix Ensemble, a Orquestra Barroca Casa da Música só adquiriu um perfil mais especializado depois de 2006, com a introdução de instrumentos com cordas de tripa e a colaboração com maestros como Lawrence Cummings, Fabio Biondi, Harry Christophers, Antonio Florio ou Rinaldo Alessandrini. Em 2009, foi fundado o Coro Casa da Música, tendo como maestro titular Paul Hillier, outra figura da grande relevo internacional, o que permitiu alargar ainda mais as possibilidades da programação e dar oportunidade a vários jovens cantores. Os agrupamentos residentes, com provas dadas e uma qualidade crescente reconhecida pelo público e pela crítica nacional e internacional, foram sempre uma aposta prioritária, em detrimento das visitas efémeras de grandes estrelas para a temporada de concertos. Personalidades relevantes do circuito internacional (incluindo a residência anual de um compositor estrangeiro de renome) têm também felizmente passado pelo palcos da Casa da Música, mas sempre procurando esse equilíbrio com as estruturas locais e geralmente no âmbito de programações temáticos e de novos desafios.

Por outro lado, a Casa da Música tem um Serviço Educativo bastante dinâmico, com actividades para públicos de todas as idades, e entre 2000 e 2010 encomendou um total de 123 novas obras (de forma autónoma ou em parceria) a 73 compositores diferentes, 31 portugueses e 42 estrangeiros, dois deles residentes em Portugal (segundo os dados que constam de uma brochura publicada pela instituição). Um jovem compositor português é também seleccionado anualmente para apresentar as suas obras.

Se pensarmos que o projecto tem pouco mais de uma década, é impressionante o imenso caminho percorrido e parece já impensável imaginar a vida musical portuguesa sem a Casa da Música. Mais impressionante ainda é a cegueira dos nosso governantes em relação à cultura e o lugar de irrelevância que lhe têm atribuído. Apesar de tudo, a Casa da Música tem algumas armas e força para lutar e exigir que os compromissos assumidos sejam honrados, mas a maior parte das instituições, associações culturais e artistas individuais está numa situação de fragilidade assustadora e em risco de ver desmoronar-se de um momento para o outro o trabalho que levou tantos anos a construir.

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