Priões criados em laboratório pela primeira vez

Pela primeira vez, uma equipa de cientistas conseguir criar em laboratório priões - proteínas anormais envolvidas nas encefalopatias espongiformes, como a doença das vacas loucas ou, nos humanos, a doença de Creutzfeldt-Jakob. Esburacam o cérebro, deixando-o parecido com uma esponja. Depois, a equipa usou os priões criados em laboratório para provar que essas proteínas, ao ficarem com um formato diferente, são a única causa das encefalopatias espongiformes. Os priões têm uma forma normal e existem à superfície de vários tipos de células. Mas essas proteínas podem transformar-se, de maneira a ficarem com um formato diferente. Quando estas fiadas de aminoácidos, os tijolos das proteínas, que se organizam como um colar que se dobra e redobra, assumem um formato anormal, adquirem uma característica estranha: tornam-se infecciosas. Por outras palavras, são capazes de gerar adeptos, fazendo com que proteínas que se dobram normalmente passem a fazê-lo de forma errada. Resultado: vão-se juntando cada vez mais, produzindo massas pegajosas que acabam por danificar e esburacar o cérebro. Não há cura.Quem descobriu este estranho mecanismo infeccioso foi o investigador norte-americano Stanley Prusiner, da Universidade da Califórnia em São Francisco, nos EUA, e publicou pela primeira vez a sua teoria em 1982, na revista "Science". A essas novas partículas infecciosas Prusiner deu o nome "prião", tradução da palavra inglesa "prion", que significa "proteinaceous infectious particle". Mas a questão não era nada pacífica. Céptica, a comunidade científica interrogava-se como é que partículas sem material genético seriam capazes de se replicar e ser infecciosas. Mesmo depois de esta descoberta ter valido a Prusiner o Prémio Nobel da Medicina, em 1997, a controvérsia não acabou. Havia ainda quem continuasse a duvidar da possibilidade de uma proteína sozinha poder desencadear as encefalopatias espongiformes, dizendo que o agente infeccioso tinha de ter algum material genético de modo a instruir as proteínas saudáveis a tornarem-se anormais. Daí que houvesse argumentos a defender que as doenças dos priões são causadas por partículas semelhantes aos vírus, por exemplo, que têm material genético. Caso contrário, estas doenças pertenceriam a um grupo muito estranho, diferente de todas as outras doenças infecciosas que conhecemos, originadas por organismos infecciosos.Tentando arrumar a controvérsia de uma vez por todas, a equipa de Giuseppe Legname, da Universidade da Califórnia em São Francisco, decidiu fazer priões sintéticos e ver se eram susceptíveis de desencadear sozinhos doenças parecidas com a das vacas loucas. Os cientistas sabiam que esses priões sintéticos não podiam ter qualquer material genético.Começaram por usar bactérias para produzir a forma normal dos priões e purificaram-nos. Depois, forçaram essas proteínas a modificar o formato e a parecerem-se com os priões causadores das encefalopatias espongiformes, que injectaram no cérebro de ratinhos. Ao fim de um ano, os ratinhos - usados como modelo das encefalopatias espongiformes e, por isso, criados para serem susceptíveis a estas doenças - começaram a ter os primeiros sintomas. As análises, depois de mortos, revelaram que tinham o cérebro cheio de buracos e de priões com o formato anormal. E, quando os priões destes ratinhos foram injectados no cérebro de outros saudáveis, também estes ficaram doentes."O nosso estudo demonstra que o enrolamento incorrecto de um segmento particular do prião normal é suficiente para transformar a proteína em prião infeccioso", disse Giuseppe Legname. "Muitas provas indicavam que os priões são compostos apenas de proteínas, mas esta é a primeira vez que isto foi mostrado directamente em mamíferos. Nos últimos anos, o desafio tem sido o de encontrar uma maneira de demonstrar que os priões são feitos unicamente de proteínas", sublinhou ainda.Estes resultados poderão ajudar a desenvolver testes de diagnóstico e a perceber doenças como a Creutzfeldt-Jakob, cuja forma esporádica atinge pessoas mais velhas. Mas a nova variante da Creutzfeldt-Jakob, que afecta pessoas novas e em que o padrão de destruição das áreas cerebrais corresponde ao que se verifica nos bovinos atingidos, terá sido transmitida ao homem pela ingestão de carne de vaca contaminada com priões desde os anos 80. Pensa-se que as vacas, por sua vez, ficaram contaminadas por comerem rações feitas com os restos de ovelhas, cuja encefalopatia espongiforme, designada por "scrapie", é conhecida há muito tempo. É no sentido de compreender melhor estas doenças que Prusiner, entre os autores deste estudo, publicado na última edição da revista "Science", comenta os resultados: "Pela primeira vez podemos criar priões num tubo de ensaio. Agora temos uma ferramenta para explorar o mecanismo através do qual uma proteína pode enrolar-se, espontaneamente, num formato que causa doenças."

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