O inimigo dentro de casa

Não se vê. Não se cheira. Não se sente. Chama-se radão e é um gás radioactivo presente em todo o ambiente terrestre. Apesar de diversos estudos científicos portugueses já terem chamado a atenção para este problema, as autoridades parecem não estar preocupadas. Nem um único Plano Director Municipal assinala zonas com níveis perigosos de radão.

Imagine que mora numa casa em Viseu ou na Guarda, há mais de dez anos. A sua casa tem dois andares, três no máximo, contando com o sótão. Os seus filhos já nasceram nessa casa. Talvez não seja necessário imaginar mais nada. Você e eles podem estar sujeitos a contrair cancro pulmonar. É que há anos que estão a ser atingidos, sem saberem, por uma radiação invisível e mortal, a radiação emitida pelo radão. O radão é um gás radioactivo que está presente em todo o ambiente terrestre. Não se vê, não se cheira nem se sente. No entanto, a maioria dos solos possui quantidades variáveis de radão, que é comum em materiais de construção como os granitos, ou na água dos poços que abastecem muitas populações rurais. O radão que se liberta do solo, das rochas e da água mistura-se normalmente com o ar que respiramos, e não constitui um perigo para a saúde porque não atinge grandes concentrações. Mas quando o radão se introduz em espaços fechados, como dentro de casa, a sua concentração pode elevar-se a níveis altamente prejudiciais para a saúde. Os Serviços de Saúde Pública dos Estados Unidos estimaram que uma em cada 15 casas americanas apresenta valores perigosos de concentração de radão. A Associação Médica Americana declarou o radão como um problema nacional de saúde pública, responsável por 21.800 mortes por ano.Em Portugal, desde 1987 que se mede a intensidade da radiação de radão dentro de casas. Em algumas delas, sobretudo na Beira Interior, os níveis detectados são alarmantes. "Tem sido muito difícil fazer entender às instituições oficiais o que se está a passar", diz Luís Neves, da Universidade de Coimbra, que integra uma equipa que há quatro anos tem vindo a fazer o levantamento das concentrações de radão em algumas áreas urbanas do país. E acrescenta: "Talvez porque se trata de um fenómeno imperceptível, é mais fácil sensibilizar as autoridades em relação à poluição ambiental decorrente da actividade industrial, é muito mais difícil entenderem que a radiação natural pode constituir igualmente um perigo para a saúde pública".O radão invade, de forma invisível e contínua, qualquer casa em qualquer lugar. Liberta-se naturalmente do terreno onde a casa foi construída, penetrando-a através de fendas e juntas existentes nas fundações ou nas paredes, ou através das canalizações de abastecimento de água. A pressão atmosférica no solo onde a casa está implantada é normalmente inferior à pressão que se regista no seu interior. Assim, o radão tende a introduzir-se dentro de casa, e a concentrar-se de forma perigosa em habitações com menos de três pisos. Esta é uma situação comum nas casas portuguesas de pequena dimensão, que tende a agravar-se em zonas onde os terrenos são de natureza granítica. É o caso de Seia e Castelo Branco, áreas que serviram como amostra para um projecto de investigação em curso na Universidade de Coimbra, cujos primeiros resultados revelaram a existência de situações de risco no território nacional. Segundo Luís Neves, um dos investigadores do projecto, "o potencial de radão é geralmente moderado, mas localmente alto".Já em 1992, Manuela Teixeira e Conceição Faísca, do Departamento de Protecção e Segurança Radiológica do Ministério do Ambiente, divulgaram a distribuição das concentrações médias de radão no país. Os distritos de Viseu e Guarda aparecem com os valores mais elevados, 100 e 120 becquerel por metro cúbico respectivamente (um becquerel corresponde a uma desintegração atómica por segundo). Estes valores situam-se abaixo dos limites recomendados por uma norma europeia datada de Fevereiro de 1990 - valor máximo de 400 becquerel por metro cúbico para casas já construídas, e 200 para casas a construir. Mas estes são valores médios e pouco significativos, porque numa mesma área, os valores de radioactividade podem variar muito de casa para casa. É que, para além do tipo de rochas que constitui o terreno onde a casa foi construída, que é determinante como fonte de radiação natural, há que ter em conta as características da própria casa. Assim, os terrenos de natureza granítica ou os solos derivados da alteração desses granitos, que são comuns na Beira interior, emitem maiores quantidades médias de radão para dentro de casa. Se estas forem baixas e pouco ventiladas, o risco de radiação eleva-se perigosamente. Manuela Teixeira e Conceição Faísca registaram, no rés-do-chão de 19 casas da Guarda, valores de radão de 507 Becquerel por metro cúbico, números que ultrapassam largamente as recomendações europeias.Estas recomendações não tiveram qualquer reflexo na legislação portuguesa, nomeadamente ao nível do ordenamento do território. Em zonas graníticas de alto risco, como as Beiras, as áreas urbanas têm vindo a expandir-se sem se tomar "em consideração os riscos associados à presença de elevados níveis de radiação natural", afirma Luís Neves. Na verdade, nenhum Plano Director Municipal o fez, até hoje.Nas áreas urbanas de S. Pedro do Sul, Viseu, Guarda, Tondela, Castelo Branco e Seia, o subsolo granítico apresenta-se bastante fracturado. As casas construídas sobre essas fracturas são de alto risco porque o radão, emitido em profundidade, escapa-se preferencialmente ao longo das fracturas das rochas, atingindo grandes concentrações dentro de casa. Num estudo efectuado recentemente em Tondela, verificou-se que "o potencial de radão na região poderá ser elevado, especialmente em algumas fracturas", segundo Luís Neves.

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