Cientistas comemoram chegada da Cassini-Huygens ao planeta orelhudo

Galileu Galilei foi o primeiro a ver os anéis de Saturno, em 1610, pelo seu telescópio primitivo, mas não soube como interpretá-los. Pareciam-lhe duas projecções simétricas ligadas ao planeta, que se assemelhavam, dizia o astrónomo italiano, a orelhas, conta no livro "Cosmos" o famoso cientista Carl Sagan. Galileu (1564-1642) teria gostado de saber que ontem tantos séculos depois da desconcertante observação, a sonda Cassini Huygens, uma missão espacial conjunta dos Estados Unidos e da Europa, chegou ao planeta orelhudo. Era indisfarçável o entusiasmo no Laboratório de Propulsão a Jacto, em Pasadena (Califórnia, EUA), onde a missão está a ser controlada. Ecoavam os riso, aplausos e gargalhadas na sala de controlo.Depois de uma viagem de seis anos e sete meses pelo espaço e percorridos 3.500 milhões de quilómetros, tudo correu maravilhosamente numa das partes mais sensíveis da missão - a entrada da sonda em órbita de Saturno. Para isso, o motor principal da Cassini Huygens começou a funcionar às 3h36 (hora de Lisboa) e permaneceu ligado durante 95 minutos, para abrandar a velocidade da sonda - uma eternidade para os cientistas envolvidos, como Ed Weiler, da agência espacial norte-americana (NASA) e David Southwood, director científico da Agência Espacial Europeia (ESA).Nesses 95 minutos de "inferno", na descrição de Weiler e Southwood, perdeu-se por vezes o sinal da sonda, ocultado pelos anéis, e ninguém sabia como corria a manobra, que evitaria que a tremenda força gravitacional de Saturno a empurrasse para fora do sistema solar e fosse, antes, capturada pelo planeta, como se fosse um dos seus satélites.A forma como ia funcionar durante aquele tempo era uma das preocupações dos cientistas; a outra eram os eventuais danos causados pelos anéis, compostos ora por pequenas partículas de poeiras e pedaços de água congelada, ora por blocos do tamanho de uma casa. Na realidade, a sonda atravessou os anéis, primeiro de baixo para cima, ainda antes do funcionamento do motor, numa separação entre dois dos anéis, o F e o G, quase na extremidade do sistema anelar mais afastada do planeta. A sonda nunca mais estará tão próxima de Saturno: passou a 18 mil quilómetros da camada superior de nuvens deste gigante gasoso, sem uma superfície sólida como conhecemos na Terra. Sempre que, depois de uma ocultação pelos anéis, o sinal voltava, ecoava um aliviado "uuh!". Distribuíam-se mais cumprimentos e, no fim da delicada e demorada operação, todos festejavam. "Parabéns. Bem-vinda à órbita de Saturno", rematava o comentador de serviço na televisão da NASA, o cientista Todd Barber, a trabalhar há sete anos nesta missão, e devidamente aprumado com uma gravata cheia de motivos planetários.Ainda que crucial, a manobra de ontem foi só o primeiro passo de uma missão de quatro anos, durante os quais serão feitas 76 órbitas a Saturno, um verdadeiro sistema solar em miniatura, acompanhado por 31 luas, tanto quanto indica a última contagem.Só o astrónomo franco-italiano Jean-Dominique Cassini (1625-1712) descobriu quatro (Japeto, Reia, Tétis e Dione) e também uma separação entre os anéis A e B, que ficou conhecida como Divisão de Cassini. O astrónomo percebeu, então, que o anel descoberto por Huygens era, afinal, um sistema de anéis.Vista da Terra ao telescópio, a Divisão de Cassini aparece como uma banda escura, que até à visita da sonda Pioneer 11, em 1979, se pensava estar vazia. Mas está repleta de partículas minúsculas. Também as sondas Voyager 1 e 2, no início dos anos 80, trouxeram novidades, como o aumento do número de anéis para seis. Desde aí, Saturno e as suas luas nunca mais foram visitados por um engenho humano.Espera-se agora que a Cassini-Huygens esclareça alguns mistérios, como a existência de um poderoso campo magnético em Saturno. Isso implica conhecer a estrutura interna do planeta, que se pensa ter um núcleo rochoso rodeado de hidrogénio e hélio líquidos, cobertos por sua vez por hidrogénio e hélio gasosos. Outro enigma é o da origem dos anéis: são destroços de uma luta ou uma lua que não chegou a formar-se? Pelo menos sete luas vão ser visitadas por esta missão: Mimas, Tétis, Hiperíon, Reia, Epimeteu e Titã, que é a mais misteriosa, por ter atmosfera. Para esta reservou-se uma parte importante da missão, prevista para Dezembro/Janeiro, quando o módulo europeu Huygens se separar da sonda norte-americana Cassini e se dirigir para lá, para uma travessia pela atmosfera até à superfície de Titã, por certo exótica. "Esta noite foi dos americanos. Deixaram-nos o segundo acto e teremos de fazê-lo bem", resumiu David Southwood a nova aventura.

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