Vulcão de lama filmado a libertar metano no golfo de Cádis

Registadas as primeiras imagens da emissão de gases por um vulcão de lama no golfo de Cádis, fora de águas portuguesas, durante uma missão científica. Este fenómeno geológico é visto como um indício de que poderão existir reservas de combustíveis fósseis na região, onde também decorrem prospecções de petróleo.

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O veículo submarino Luso a filmar bolhas de metano num vulcão de lama no golfo de Cádis EMEPC
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Mexilhões que vivem nas redondezas dos vulcões de lama EMEPC
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O veículo submarino Luso, que merrgulha até 6000 metros DR

Há já uma década e meia que os cientistas descobriram no golfo de Cádis a presença de vulcões de lama, estruturas cónicas formadas por materiais argilosos e que se encontram espalhadas numa vasta área entre o Sul da Península Ibérica e o Norte de Marrocos. Têm captado a atenção de cientistas de várias partes do mundo, incluindo portugueses, e agora uma missão oceanográfica conjunta entre Portugal e Espanha apanhou pela primeira vez um desses vulcões de lama do golfo de Cádis a libertar bolhas de metano.

A saída de gases foi captada em vídeo de alta definição pelo veículo submarino português Luso, que está a bordo do navio oceanográfico espanhol Sarmiento de Gamboa para esta missão ao golfo de Cádis e, em seguida, às Canárias e à Madeira, até 13 de Abril.

“Apesar de outras equipas internacionais já terem visitado esta zona à procura de imagens que evidenciem esse fenómeno, é a primeira vez que se filmam bolhas de metano num vulcão de lama do golfo de Cádis, pelo menos com o grau de resolução e com a quantidade de bolhas captadas pelo Luso”, refere, a bordo do navio espanhol, o geólogo Pedro Madureira, da Estrutura de Missão para Extensão da Plataforma Continental (EMEPC) portuguesa.

A parte científica da missão ao golfo de Cádis e às Canárias é espanhola, enquanto a sudoeste da Madeira começará a parte portuguesa desta missão, para obter mais dados que reforcem a proposta de extensão da plataforma continental portuguesa já entregue nas Nações Unidas.


O vulcão de lama filmado, e suas bolhas de metano, encontra-se fora da Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa e a uma profundidade de 700 a 800 metros. Tem nome, refere Pedro Madureira, mas para já a equipa não o quer revelar, tal como nem quer divulgar a sua localização exacta. Tinha sido descoberto noutra missão durante medições da profundidade e do relevo do fundo do mar (levantamentos batimétricos), pela equipa científica espanhola que está agora a investigar os vulcões de lama do golfo de Cádis. Tem cerca de um quilómetro de diâmetro e 100 metros de altura.

Até ao momento, identificaram-se cerca de 60 vulcões de lama em todo o golfo, tanto em águas marroquinas (onde se descobriu o primeiro em 1999) como em águas espanholas e portuguesas. Alguns encontram-se a cerca de 4000 metros de profundidade.

O fenómeno tem uma origem geológica. As placas tectónicas africana e eurasiática encontram-se em rota de colisão e a compressão resultante na região do golfo de Cádis provoca a ascensão, até à superfície do fundo do mar, de sedimentos argilosos bastante abundantes em profundidade nesta zona. Com esses materiais argilosos vêm ainda gases do interior da Terra – essencialmente metano, mas também outros hidrocarbonetos, como os gases butano e propano –, que ficam aprisionados nas moléculas de água congelada nos sedimentos.

Hidratos de metano é como se chama a essa combinação de gases constituída sobretudo por metano e que fica presa nos cristais de gelo de água. Por outro lado, estes gases encontram-se no estado sólido no fundo do mar, devido às pressões elevadas a que estão sujeitos por toda a camada de água. Se se aproximar a chama de um fósforo de um bloco de hidratos de metano, ele começa a arder – por isso também são designados como “gelo que arde”. E se forem trazidos do fundo do mar e ficarem ao ar livre, à pressão atmosférica, os gases que contêm evaporam-se em pouco tempo. A existência no mar dos hidratos de metano e hidratos de outros gases é conhecida desde a década de 1970.

Um mundo sem luz
Para lá da sua expressão geológica, os vulcões de lama também têm associadas comunidades biológicas peculiares. Como os fluidos libertados pelos vulcões de lama contêm uma série de elementos químicos, estes funcionam como nutrientes para diversos microrganismos. Por sua vez, estes microrganismos estão na base da cadeia alimentar das comunidades biológicas presentes muitas vezes nas redondezas dos vulcões de lama – como é o caso de mexilhões. Assim, em vez da fotossíntese, em que a luz solar é utilizada para obter energia, é a síntese de elementos químicos (a quimiossíntese) que está na base da cadeia alimentar nestes ecossistemas sem a luz do Sol.

No aspecto biológico, o vulcão de lama apanhado a lançar as bolhas de metano não é uma excepção, como descreve Pedro Madureira quando se lhe pergunta como é ali o ecossistema. “A base destes ecossistemas é formada por organismos quimiossintéticos que processam o metano libertado, nomeadamente microorganismos que formam tapetes filamentosos sobre o fundo marinho e que constituem a base da cadeia alimentar de outros organismos. São também característicos destes ecossistemas alguns bivalves – como o Bathymodiolus, um mexilhão –, aos quais podem ainda estar associados alguns tipos de corais e esponjas”, refere o geólogo português.

“Em termos científicos, a importância destes ecossistemas advém do facto de serem muito diferentes dos outros ecossistemas terrestres, em que a sua base assenta na produção primária resultante da energia solar. Assim, os organismos aí existentes têm metabolismos completamente diferentes e uma capacidade de resistência  a ambientes que para nós são inóspitos”, acrescenta ainda.

Ao todo, o Luso, veículo submarino operado à distância (ROV) através de um cabo que o liga ao navio, mergulhou em oito vulcões de lama. “Nas águas portuguesas, fomos até ao monte Bonjardim, o vulcão de lama mais profundo que visitámos nesta campanha, a cerca de 3100 metros de profundidade. Aí recolhemos, pela primeira vez com recurso a um ROV, dados interessantes e amostras únicas que atestam a importância do mar português.”

Quanto às emanações de metano filmadas, manifestam-se numa área restrita. “Eram localizadas. Mas foi registado um número elevado de centros emissores, frequentemente assinalados pela presença de ecossistemas muito particulares”, refere.

Os cientistas têm a certeza de que as bolhas eram de metano porque o Luso está equipado com sensores de medição de gases na água, neste caso para o metano e o dióxido de carbono. Além disso, a cor branca das bolhas também denota a presença de hidratos de metano nos sedimentos.

“Nos locais visitados, foram registados vários picos na concentração de metano”, conta o geólogo. “A bordo, armazenaram-se as amostras de água recolhidas para serem depois analisadas em laboratórios em terra. Mas existem sempre formas indirectas de se poder concluir que estamos na presença de metano através, nomeadamente, do cheiro intenso característico [da água] e da presença de organismos quimiossintéticos.”

Noutras campanhas oceanográficas a estes vulcões do golfo de Cádis, a medição de gases na água já fazia parte da investigação. Só que era feito um pouco às cegas. “Agora a diferença é que as medições foram feitas em locais escolhidos com acesso às imagens que estamos a obter em tempo real através das câmaras instaladas no ROV Luso. Sem esse acesso, normalmente é um processo menos selectivo em termos do local onde efectuar as medições”, explica Pedro Madureira.

Prospecção de petróleo
O que significa então a observação directa das bolhas de metano para uma eventual exploração na região dos hidratos de metano como um recurso energético? “Em termos de potencial de exploração, a descoberta prova que o recurso efectivamente existe, ainda que seja necessário averiguar em concreto a origem do metano”, responde o geólogo.

Por exemplo, há que averiguar se o metano é de origem biológica (biogénica, emitidos pelos seres vivos) ou se é de origem dita termogénica, resultante de processos geológicos no interior da Terra. “Uma origem termogénica pode apontar para a ocorrência de hidrocarbonetos em profundidade e aumentar o potencial de exploração.”

Há ainda que avaliar até que ponto se está perante reservas de um recurso, e em que extensão e quantidade, e não apenas a sua simples presença. Por outro lado, os desafios que se colocam à exploração de hidratos de metano são complicados. Além de preocupações ambientais, devido ao risco de libertação para a atmosfera de metano, que tem um poderoso efeito de estufa, podendo acentuar as alterações climáticas, a extracção de hidratos de metano dos sedimentos marinhos coloca desafios tecnológicos ainda por ultrapassar.

Actualmente, ninguém está a fazer a exploração comercial de hidratos de metano do fundo do mar. Mas tem havido testes que procuram aproximar-se disso, como o que fez o Japão em Março do ano passado ao largo das penínsulas de Atsumi e Shima: pela primeira vez, conseguiu-se extrair gás de hidratos de metano de sedimentos marinhos. A empresa Japan Oil, Gas, and Metals National Corporation testou uma tecnologia de despressurização num poço de extracção que abriu e conseguiu produzir 120.000 metros cúbicos de metano. O Japão pretende, a partir 2016, tornar possível aproveitar comercialmente esta fonte de energia.

Os Estados Unidos, a nível governamental, também têm financiado projectos de investigação de tecnologias que possam permitir a exploração comercial dos hidratos de metano.

Ainda que os vulcões de lama e os hidratos de metano não sejam sinónimo da existência de outros combustíveis fósseis na mesma região, como petróleo e gás natural (este é composto principalmente por metano), a sua presença é pelo menos um indicador dessa possibilidade no subsolo marinho.

Portanto, ainda há muito trabalho pela frente até os hidratos de metano da região do golfo de Cádis se tornarem uma fonte de energia alternativa. Mas a observação directa das bolhas de metano tem a sua importância no contexto das prospecções de petróleo em curso ao largo do Algarve. “Tendo a zona marítima portuguesa ao largo do Algarve um contexto geológico próximo do Golfo de Cádis, todas as descobertas que aí forem feitas contribuem para aumentar o conhecimento sobre a ocorrência de hidrocarbonetos à escala regional”, diz Pedro Madureira. “O contexto geológico do golfo de Cádis e a sul do Algarve em águas nacionais é o mesmo”, acrescentando que os vulcões de lama ocorrem numa extensa área que se prolonga para a ZEE de Portugal.

Não é por acaso que empresa espanhola Repsol e a Partex, a empresa petrolífera ligada à Fundação Calouste Gulbenkian, detêm a licença para pesquisa e exploração de petróleo em dois blocos na bacia do Algarve, em águas profundas (deep-offshore). Assinados em 2011, os contratos de concessão para as duas áreas – a Lagosta e o Lagostim, cada uma com cerca de 3200 quilómetros quadrados – são por oito anos.

Os trabalhos sísmicos de prospecção ficaram concluídos em 2013 e a realização do primeiro furo está prevista para este ano. Esta nova etapa implicará um investimento de 65 milhões de dólares (47,2 milhões de euros), a somar aos 18 milhões de dólares (13 milhões de euros) gastos com o levantamento de dados, de acordo com a empresa petrolífera espanhola.

As duas empresas requereram entretanto a atribuição de mais duas concessões, que estão em negociação, na mesma zona. E também a empresa norte-americana Panoceanic Energy está a negociar com a Direcção-Geral de Energia e Geologia uma licença de avaliação prévia de pesquisa e exploração de petróleo ao largo do Algarve.

O presidente da Partex, António Costa Silva, tem sido um defensor do potencial de reservas de gás natural na bacia do Algarve, apontando reservas de gás suficientes para cobrir o consumo português por vários anos. Na base desta expectativa está a semelhança de características geológicas entre esta zona, o Norte de África e o golfo de Cádis, onde a Repsol está presente na produção de gás natural. Com Lurdes Ferreira

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