Vinte e seis laboratórios associados criticam políticas de ciência "erradas"

De 2012 para 2013, os 26 laboratórios associados tiveram um corte de financiamento de cerca de 30%. O conselho destas instituições reuniu-se com o ministro da Ciência e diz-se muito preocupado.

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O cientista Alexandre Quintanilha encabeça a lista do Porto do PS Manuel Roberto (arquivo)

Os 26 laboratórios associados temem que as políticas para a ciência em Portugal ponham em risco a sua continuidade, depois de cortes de financiamento na ordem dos 30% para 2013. Num comunicado após uma reunião com o ministro da Ciência, Nuno Crato, a secretária de Estado da Ciência, Leonor Parreira, e o presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Miguel Seabra, a comissão executiva do Conselho dos Laboratórios Associados (CLA) usa expressões como o "crescente agravamento das condições para a ciência em Portugal", decisões "erradas" e "mudanças indesejadas e lesivas" para as instituições científicas.

"O Governo decidiu, de forma unilateral e contrariamente ao assumido, reduzir drasticamente o financiamento estratégico das instituições de investigação em 2013. A viabilidade das instituições e das suas apostas estratégicas fica seriamente comprometida", refere o comunicado agora divulgado. A reunião, a 7 de Janeiro, foi pedida pelo CLA devido ao "agravamento" da situação da ciência no país.

"Não tem havido uma grande disposição para diálogo", resume ao PÚBLICO o investigador Alexandre Quintanilha, secretário do CLA. A comissão executiva do CLA é composta por Carlos Salema e José Manuel Mendonça.

Em 2012, o orçamento para os laboratórios associados, as unidades de investigação e os laboratórios do Estado foi de 74,5 milhões de euros, enquanto, para 2013, esse valor baixou para 64,6 milhões, refere, por sua vez, João Sentieiro, ex-presidente da FCT e actual director de uma das 26 instituições, o Laboratório de Robótica e Sistemas em Engenharia e Ciências do Instituto Superior Técnico (IST).

Em Novembro, os laboratórios associados foram surpreendidos com a redução de financiamento. O corte mínimo foi de 25%. Por cima disso, houve ainda cortes tendo em conta a execução orçamental de cada instituição, ou seja, o dinheiro gasto até ao final de 2012. Laboratórios com uma execução orçamental baixa sofreram um corte "superior a 40%", diz Quintanilha, quando "não houve uma diminuição" do Orçamento do Estado para a ciência.

"Cortes desta natureza são devastadores", diz o biólogo e ex-director do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto. Alexandre Quintanilha explica que as baixas execuções orçamentais se deveram ao aumento da burocracia, que deixou a tesouraria de muitos laboratórios no "vermelho": devido ao atraso dos pagamentos da FCT, as dívidas cresceram para alguns milhões de euros. Por isso, as instituições não podiam fazer mais despesas e os orçamentos não eram gastos completamente. Na reunião, os governantes justificaram a burocracia como uma situação "imposta por outros ministérios", conta o biólogo.

Os laboratórios associados nasceram em 2000 para "criar massa crítica em várias áreas de conhecimento", explica Quintanilha. Estão dispersos pelo país, muitas vezes associados a universidades, e alguns têm mais do que um pólo. Uma das suas funções é o aconselhamento do Governo em áreas emergentes. Há laboratórios dedicados às ciências geofísicas, outros à informática, às ciências da vida, da saúde, às ciências sociais ou às engenharias. Ao todo, estas instituições têm 5000 doutorados.

Os novos cortes, alerta o CLA, vão obrigar a redimensionar os laboratórios. "Agrava-se o desemprego de doutorados e a emigração de investigadores altamente qualificados", lê-se no comunicado. Números oficiais que retratem a situação global, todos dizem que não os há."Há muitos jovens que não sabem qual vai ser a estratégia, ouviram que o Governo está a apostar na excelência num sentido muito restrito e já aceitaram lugares internacionais", relata Quintanilha.

"No IST há um número significativo de pessoas a saírem", diz também João Sentieiro. "Não são só jovens investigadores, mas também seniores que estão a deixar o país."

O CLA critica ainda os "moldes inaceitáveis" dos novos doutoramentos. Abriram-se candidaturas para programas de doutoramento sem consultar as universidades, as instituições que afinal atribuem estes graus. "As universidades tiveram dois ou três meses [para se candidatarem], mas isso é muito pouco quando se quer conceber um programa de raiz e com parcerias internacionais", critica Quintanilha.

E no concurso para novos investigadores FCT, também as universidades e as instituições científicas ficaram de fora da avaliação e selecção dos cientistas que depois podem vir a ser obrigados a receber.

"[Este] conjunto de medidas têm estado a conduzir a mudanças indesejadas e lesivas para as instituições de ciência", diz-se no comunicado, acrescentando-se que há um "experimentalismo desprovido de qualquer modelo de suporte, assente na ideia simplista de que a ciência se faz apenas com pessoas excelentes".
 

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