Utilizadores fazem bom uso das bicicletas gratuitas

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Lisboa espera ter uma rede para ciclistas este Setembro PÚBLICO (arquivo)

Os apreciadores de um bom passeio de bicicleta podem estar descansados. Em Portugal, apesar das perturbadoras notícias vindas de Paris, onde todo o sistema público de aluguer de bicicletas está a ser reequacionado devido aos abusos e vandalismo, não há motivo para alarmes. Por cá, as coisas têm corrido bem e ninguém pensa em fazer marcha-atrás.

É verdade que nenhuma grande cidade portuguesa pôs em prática algo que seja, sequer, vagamente parecido com as Vélib, as bicicletas públicas de aluguer acessível que, em menos de ano e meio, transformaram a vida de muita gente na capital francesa (o nome vem da aglomeração de duas palavras: velo, bicicleta; e liberté, liberdade). O mais próximo que existe em Portugal está em Aveiro, onde as 300 Bugas já se tornaram uma opção rotineira de transporte para muita gente.

No princípio, a utilização da Buga podia comparar-se à de um carrinho de supermercado: o utente metia uma moeda na bicicleta, andava nela e recolhia o dinheiro quando a devolvia a uma das estações públicas do sistema. Mas este tipo de utilização "anónima" - muito semelhante ao que existe em Paris - potencia a desresponsabilização. "No início tivemos alguns abusos", reconhece Alcino Canha, chefe do departamento das Bugas na Câmara Municipal de Aveiro. "Mas mudámos o sistema; agora as pessoas têm de se identificar ao levantarem as bicicletas e isso reduziu os problemas."

Bute nas universidades

Enquanto em Paris os problemas são notícia, em Portugal o aluguer de bicicletas é um negócio em expansão. Há muitas empresas que se dedicam a esta actividade, mas, para lá de Aveiro, a única autarquia que se envolveu nesta área foi a de Cascais, com as suas BiCas. São 250 e a procura é sempre muita, analisa Alexandre Soares, funcionário da Câmara de Cascais responsável pelo programa.

Tal como acontece em Aveiro, quem aluga uma bicicleta deixa a sua identificação e isso - aliado ao facto de estas bicicletas serem "muito diferentes das outras", pormenor também destacado por Alcino Canha, das Bugas - tem prevenido problemas. "Vandalismo, nada! E se desaparece alguma, volta logo no dia seguinte. As pessoas vêem que passou a hora e guardam-nas durante a noite...", explica Alexandre Soares.

Mas o maior contingente de bicicletas de aluguer em Portugal pertence à IdeiaBiba, que aposta no meio universitário. Tudo começou na Universidade do Minho, onde, desde há um ano, já há 400 Bute em funções - e "uma lista de espera brutal", adianta Ricardo Pires, responsável pela área de mobilidade da empresa. O sistema deverá ser alargado às academias de Lisboa e Porto no próximo ano lectivo, com pelo menos mais 1000 veículos em cada cidade. A crise trouxe alguns pontos de interrogação, mas a fase de pré-inscrição já está em marcha.

O sistema é diferente. Aqui não se trata de um aluguer ocasional: cada estudante recebe a sua bicicleta, que está identificada com um nome de código escolhido pelo utilizador e a faculdade ou instituto do aluno. "É claro que já vimos 'artistas' a fazerem cavalinhos e outros disparates, a esquecerem-se da bicicleta quando bebem uns copos. Mas falando com eles tudo se resolve. É malta nova, faz parte do processo de crescimento. E o facto de cada Bute estar atribuída a uma única pessoa leva a que esta cuide da sua durante o período de utilização", esclarece Ricardo Pires.

Abusos parisienses

Enquanto em Portugal, Bugas, BiCas ou Butes são, na esmagadora maioria dos casos, respeitadas pelos utilizadores, em Paris, quase metade dos cerca de 20.000 veículos disponibilizados (e que já serviram mais de 42 milhões de utilizadores em 18 meses) são dados como roubados. Os actos de vandalismo são uma constante. As Vélib aparecem penduradas em postes de iluminação, nas águas do rio Sena, e algumas foram contrabandeadas. Os resultados são demolidores. A JC Decaux, que gere o sistema, quer encerrar as estações de aluguer mais problemáticas, mas a extensão da rede aos subúrbios é uma bandeira do actual presidente da câmara, Bertrand Delanoe, que até já aceitou assumir as despesas de substituição e reparação das bicicletas.

Lisboa espera ter rede para ciclistas em Setembro

A Câmara Municipal de Lisboa tem em curso o processo de escolha, por diálogo concorrencial, de uma solução para a "criação, implementação e financiamento" de uma rede de bicicletas de uso partilhado na cidade. O vereador do Espaço Público, José Sá Fernandes, tem a expectativa de que os primeiros veículos de duas rodas possam estar nas ruas em Setembro deste ano.

Em Junho de 2008, o presidente da autarquia anunciou que o sistema deveria entrar em funcionamento daí a um ano, mas o chumbo da proposta camarária pela maioria social-democrata da Assembleia Municipal de Lisboa, com o argumento de que estava "mal fundamentada", contribuiu para atrasar o processo.

O vereador do Espaço Público disse ao PÚBLICO que a autarquia está neste momento "a informar os candidatos, a prestar esclarecimentos" e só numa fase posterior terá lugar a entrega de propostas concretas pelos interessados e a sua avaliação pelos serviços da autarquia. Salientando que este processo não está a ser conduzido por si, mas sim pelo vice-presidente Marcos Perestrello, Sá Fernandes referiu que houve seis consórcios a mostrar interesse em avançar com a criação da rede de bicicletas de uso partilhado.

A ideia da Câmara de Lisboa é que sejam criados 250 postos na cidade para receber um total de 2500 bicicletas, às quais qualquer um poderia aceder através da utilização de um cartão criado para o efeito e com um baixo custo anual. O vereador do Espaço Público fala num valor próximo dos 20 euros e acrescenta que a localização dos postos vai ser definida pela autarquia, privilegiando-se a proximidade de transportes públicos.

O autarca lisboeta diz que o projecto tem um custo estimado de cerca de 40 milhões de euros para um período de dez anos mas garante que ainda é cedo para dizer se vai, ou não, representar um encargo para a autarquia. "A câmara pode ter custos ou pode não ter", diz o vereador, explicando que quem avançar com o desenvolvimento da rede de bicicletas pode reivindicar ao município contrapartidas não monetárias como publicidade ou outras.

Pedalar à noite, a moda europeia que ganha adeptos no Grande Porto

Se há uma paixão comum, uma vontade comum e um grupo com ideias comuns para pôr em prática, os projectos podem nascer. E nascem. No Porto, foi mais ou menos desta forma imprevista que surgiu o programa das voltas nocturnas de bicicleta pela cidade: juntam-se pessoas com vontade de pedalar (e falta de tempo para o fazer durante o dia) e o programa começa a rolar - de noite. A ideia não é original, já estava em prática noutras cidades, noutros países - porventura mais habituados a estas andanças de exercício físico e com terrenos mais amigos dos velocípedes.

Aqui, o projecto começou há dez anos, discretamente. Alguma divulgação, há cerca de dois anos, pôs "cerca de duas mil pessoas" a pedalar, revela o responsável da BTT da Associação de Ciclismo do Porto, Pedro Vigário. Há os grupos oficiais - os que já praticam ciclismo habitualmente -, e os "sem nome" - pessoas sem objectivos além de passar o tempo e retirar prazer disso.

São 21h30 de uma quinta-feira de Fevereiro. Está escuro e o movimento na rua não é intenso junto às piscinas municipais da Senhora da Hora, em Matosinhos. Este é o ponto de encontro semanal para as voltas nocturnas dos ciclistas do Clube BTT de Matosinhos. Chegam aos poucos - luz de presença na bicicleta, capacete na cabeça (os requisitos mínimos), sem organização aparente. São amigos (percebemos), são só homens (Porquê? "Isso gostávamos nós de saber", reage Moisés Rodrigues, presidente do Clube), de todas as idades, e a regra aqui é não haver regras. Se não há tempo de dia, que seja de noite; se não há canais adequados, que seja nos impróprios; se chove, está frio e muitos desistem, pedalam poucos. Não às complicações (essas ficam para durante o dia, no trabalho), não às obrigações ("Também há dias em que o apelo do sofá é mais forte e não há problema algum nisso..."). É este o lema inerente aos "nocturnos".

Aparece quem quer, com o material necessário (já dissemos: uma bicicleta, uma luz de presença e um capacete) e o resto é fácil (dizem eles!). O resto é pedalar pela cidade, sem rumo traçado e sem horas marcadas. "No início era só um treino. Quem quer melhorar tem que treinar mais e mais", conta um dos praticantes. "Ao longo dos anos foi-se tornando menos físico e mais convívio de amigos", acrescenta outro. Agora, acima de tudo, querem "incentivar o uso da bicicleta".

As bicicletas são um vício

Como definem a relação com os velocípedes? "Uma doença", atira Américo Liberal, um dos treze praticantes que esperam o início da volta. "É um vício", completa Moisés Rodrigues. Houve um tempo em que andar de bicicleta era para os "pobres", não havia uma questão de imagem envolvida. Agora não: "Neste momento é moda andar de bicicleta", dizem. E nós acreditamos (duas mil pessoas nos "nocturnos" fazem-nos acreditar). Os grupos não são grandes - nos dias bons chegam aos 30, e nem convém que sejam mais. "É uma questão de segurança", explica. O Porto não é a cidade ideal para pedalar: ao relevo acentuado e paralelo no chão junta-se a escassez de vias dedicadas. "Apesar do trabalho que se tem feito, não há infra-estruturas suficientes. Se pudéssemos, não andávamos nas estradas", admite Moisés Rodrigues. Em Portugal, "não se convive pacificamente com as bicicletas na rua, não há grande respeito", acrescenta.

A conversa cessa por agora. É tempo de pedalar. Na próxima quinta-feira, no mesmo local, à mesma hora, há novo encontro.

Velocípedes sem benefícios fiscais

Se a despesa num carro eléctrico pode ser descontada no IRS, porque é que as bicicletas não usufruem do mesmo direito, questiona um grupo de cidadãos que assinou uma petição entregue na Assembleia da República, no mês de Janeiro.

O Orçamento do Estado para 2009 exclui, à partida, os velocípedes da lista de veículos não poluentes, contrariando uma tendência que acompanha o discurso sobre a luta contra as alteraçõess climáticas.

Do ponto de vista energético, a bicicleta é o veículo mais eficiente e, por isso, a petição propõe "uma pequena alteração/clarificação que alargue aos velocípedes os benefícios fiscais à aquisição de veículos eléctricos, como de resto já ocorre em vários países europeus". Portugal, note-se, é o segundo país da União Europeia com um maior peso do automóvel no transporte de pessoas.

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