Universidade de Campinas, um oásis da investigação no interior de São Paulo

A prioridade da Unicamp à investigação e à ligação com as empresas explica que a maioria dos seus 30 mil alunos seja de pós-graduação. Os professores portugueses nesta universidade valorizam o debate e as condições que não encontram no país de origem.

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A Unicamp tem uma incubadora de empresas dedicada às tecnologias avançadas, fundada em 2001 Nélson Garrido
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Uma visita aos três milhões de metros quadrados do campus da Universidade de Campinas (Unicamp) sob 35 graus de calor não é o programa ideal para quem já não frequenta aulas há anos, mas o desânimo afasta-se à medida que se descobre o que é hoje a segunda melhor universidade do Brasil. Num ranking liderado pela Universidade de São Paulo (USP), que é três vezes maior, a Unicamp é vista como um oásis de investigação.

“A Unicamp é um mundo à parte” diz o professor Paulo César Montagner. Ele e o vice-reitor Álvaro Penteado Crósto desfiam as estatísticas: na área de inovação tecnológica, a universidade estadual de Campinas é a instituição académica com o maior número de patentes e licenciamentos do país, é responsável por 15% da produção científica nacional, os seus docentes são recordistas em artigos publicados (mais de três mil) e 256 empresas nasceram de projectos académicos ou de alunos que se formaram ou de associações entre alunos e professores, nas áreas de telecomunicações, nanotecnologia, petróleo, software, genómica, entre outros. Isto no âmbito do programa da agência de inovação da Unicamp. “A gente valoriza a possibilidade de você criar, fazer algo por si próprio. O investigador brasileiro sofre muito para ganhar dinheiro e acaba sendo criativo” – explica o professor Montagner, chefe de gabinete da reitoria.

Para o vice-reitor, a explicação para os indicadores da Unicamp está na sua fundação há quase 50 anos. “A articulação com empresários e industriais da região vem do tempo do fundador Zeferino Vaz. A ideia foi sempre estabelecer uma relação forte entre a universidade, as empresas, a sociedade e também influir e formar políticas públicas tanto no estado de São Paulo como em todo o país” – afirma Álvaro Penteado. “Acredito que quase todas as multinacionais que têm sede em Campinas têm um projecto na Unicamp” – acrescenta o professor César Montagner.

A universidade pública de Campinas, cidade que fica a 100 quilómetros de São Paulo, é considerada um exemplo da integração entre universidade e empresas, o que também explica a razão pela qual a maioria dos 30 mil alunos está nos cursos de pós-graduação, em projectos de investigação, uma realidade diferente da maioria das universidades brasileiras, onde o domínio é das licenciaturas. A Unicamp inaugurou recentemente um parque tecnológico para que as empresas estabeleçam os seus laboratórios, seguindo o exemplo da Universidade Federal do Rio de Janeiro que foi pioneira nesta iniciativa. A tecnológica chinesa Lenovo acaba de estabelecer-se no campus da Unicamp, um investimento de aproximadamente 100 milhões de dólares.

A relação com Portugal
Actualmente a Unicamp tem acordos com 20 instituições académicas portuguesas, entre elas, a Universidade de Coimbra, de Lisboa, do Porto, de Aveiro. Portugal é o sétimo país com mais protocolos com Campinas em engenharia, biologia, genética, arquitectura, literatura, antropologia, desporto e educação física. E nove por cento dos quase mil alunos brasileiros de licenciatura, que fizeram programas de intercâmbio em 2013, escolheram uma universidade portuguesa. Nos programas de pós-graduação, a percentagem é de 13 por cento. Os cursos mais disputados são artes e engenharia, áreas cujo ensino em Portugal é muito conceituado, segundo o professor Montagner.

Já a proporção de portugueses que vão para a Unicamp é bem menor. Dos quase 1150 alunos estrangeiros na graduação e pós-graduação em 2013, apenas dois por cento eram de universidades portuguesas. “Gostaríamos de estar recebendo mais estudantes portugueses” – afirma Álvaro Penteado.

O sociólogo português Elísio Estanque, que estuda as relações de trabalho e sindicais, passou o ano de 2013 na Universidade de Campinas e fala de diferenças. “No Brasil há um ambiente de debate e partilha que se tem perdido em Portugal e na Europa”. Para o professor de 61 anos, a Europa deveria prestar mais atenção à experiência da América Latina. “O clima em Portugal está pesado, leva-nos à exaustão. Há negatividade, desesperança e até um certo desespero. Não é virar as costas ao problema, mas às vezes é necessário colocar a cabeça fora de água para respirar, o nosso olhar também se reajusta e torna-se mais objectivo” – afirma. Elísio Estanque também sentiu que havia mais envolvimento por parte dos alunos, mais interesse, mais debate e mais reflexão. “Fiz amizades mais sólidas e profundas em um ano em Campinas do que em 20 anos em Coimbra. A minha mulher, que é da Ucrânia e vive há 11 anos em Portugal, sentiu o mesmo. Já me sinto na fronteira entre ser português e ser brasileiro” – conclui.

O contraste com Portugal   
Para a professora portuguesa Susana Durão, do departamento de antropologia da Unicamp, o que está a acontecer em Portugal é o inverso do que está a passar no Brasil. “Até 2010, havia uma energia na produção científica em Portugal, mas com a crise perdeu-se a rotina de publicação de projectos de alto nível”.

Hoje, 70% dos professores da Unicamp não são de Campinas mas de outros estados brasileiros. Mesmo assim, Susana, seleccionada por concurso público e ficou em primeiro lugar, pensou que poderia sofrer discriminação por “ter tirado a vaga de um brasileiro” e surpreendeu-se. Nunca se sentiu discriminada. “Ao contrário do que acontece em Portugal, em que há preconceito contra estrangeiros no ambiente de trabalho, no Brasil, há uma preocupação de todos para que não nos sintamos mal”. Só reclama contra a burocracia, aliás uma reclamação geral em qualquer sector da sociedade brasileira. “São-nos pedidos documentos que nunca imaginaríamos”.

Pessimista em relação ao que se passa em Portugal, Susana começou a dar aulas na Unicamp em 2013 e tem um “emprego para a vida” - situação oposta à que tinha em Lisboa com contrato a prazo. Deixou um país que “não tem mais condições para fazer investigação” e está feliz de “encontrar na academia brasileira uma energia e vontade de fazer diferente, por contraste com Portugal.”

Mas para o vice-reitor da Unicamp, a situação no Brasil também não é simples: “Temos um enorme desafio, diferente da Europa ou de Portugal, que é o facto de vivermos num país com marcantes contrastes sociais. Temos que ser, ao mesmo tempo, uma universidade que se destaca na investigação de ponta com o ensino da melhor qualidade e, como universidade pública, temos de promover a inclusão, trazer mais jovens, minorias, alunos da escola pública, para a universidade.” Apesar da polémica das quotas no Brasil, a Unicamp, que tem ampliado o programa de inserção de alunos da escola pública, acredita que os programas de inclusão não contribuem para diminuir o nível educacional médio dos alunos da Unicamp. “Não há queda no desempenho, pelo que vemos nos últimos 10 anos”.

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