Um pouco mais de azul no compromisso para o crescimento verde

Tem faltado ambição de olhar o mar como o maior manancial que temos para pôr em prática um crescimento sustentável.

Para muitos aspectos do nosso quotidiano, gostamos de utilizar códigos de cores: o clubismo e os estados de espírito são apenas dois exemplos. No código de cores que atribuímos ao mundo natural, à cor verde associamos as plantas e, de uma forma mais lata, a floresta, o ar puro ou a produção de oxigénio. Por extrapolação, chamamos verde à economia e ao crescimento económico com preocupações ambientais e de sustentabilidade, mesmo que não se baseie em plantas dessa cor.

A mesma associação fazemos da cor azul ao mar, imunes à discussão, estética ou científica, da verdadeira cor do líquido que cobre grande parte do planeta, que por ironia se chama Terra. Pela mesma extrapolação, tendemos a chamar economia azul à economia do mar, seja ela a extracção de petróleo e gás off-shore, a pesca ou o turismo náutico, para dar alguns exemplos. Fala-se muito do crescimento azul, a bala de prata que andou perdida nos nossos pensamentos durante algumas gerações e nos vai resolver todos os males económicos.

Estou certo de que é pelo mar que deveremos ir, não pelo passado que temos às costas, mas pelas oportunidades que este nos oferece, tivéssemos ou não um passado marítimo. Somos e seremos uma nação marítima, quer queiramos, quer não. O mar influencia o nosso clima, e é provavelmente o factor que mais molda a forma como nos dispomos no território terrestre e como olhamos para ele.

No entanto, dentro da chamada economia azul, penso que é útil distinguir a parte verde, ou seja, aquela economia do mar que, como em terra, tem preocupações ambientais e de sustentabilidade. Acredito que é por aqui que deveremos ir e que qualquer estratégia política cunhada dentro das premissas do crescimento azul deve, sem margem para dúvidas, realçar e beneficiar a economia verde no mar.

Costumo dar o exemplo de que, em termos económicos, a principal diferença entre uma faneca − animal − e um nódulo polimetálico do leito oceânico − mineral − é o facto de a faneca, se for bem gerida, deixar no seu lugar no ano seguinte outra faneca, ou mesmo mais fanecas. Quanto à boa gestão dos nódulos polimetálicos, o máximo que podemos almejar é que a sua exploração não colida com a das fanecas, pois certamente nem no ano seguinte nem nos próximos milhões de anos existirão lá outros.

O mesmo se passa com outras actividades extractivas não renováveis. Não quero com isto dizer que não devemos aproveitar o melhor que pudermos todos os nossos recursos marinhos. Apenas que devemos ter clara na estratégia política a hierarquização das prioridades, com a sustentabilidade na linha da frente. É por aqui que, colocadas todas as parcelas do deve e haver nas equações económicas, encontraremos saldo positivo, com crescimento, emprego e bem-estar.

Para isto em muito contribuirá uma valoração dos serviços prestados pelos ecossistemas marinhos, que muitas vezes tendemos a esquecer pelo facto de não serem pagos. Não têm de ser pagos, mas têm de estar presentes nas equações económicas e de tomada de decisão quando, por exemplo, decidimos fazer uma reserva marinha ou ampliar um porto.

Encontra-se neste momento em discussão pública o compromisso para o crescimento verde, um documento da responsabilidade do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, que reúne várias entidades e sectores da sociedade numa senda comum para um desenvolvimento amigo do ambiente (daí a cor). Da agricultura aos transportes, da água à energia, ali estão plasmadas iniciativas concretas, com critérios de sucesso mensuráveis em datas definidas, que ousam ir para além dos ciclos governativos (2020, 2030).

No que toca ao mar, a ousadia fica por aqui. As iniciativas propostas são todas decorrentes de outros compromissos já firmados pelo Estado português, como a Directiva-Quadro Estratégia Marinha, a Política Comum das Pescas ou a Convenção da Diversidade Biológica (Metas de Aichi para a Biodiversidade-Mar), entre outras. As metas são assim exógenas ao documento, demonstrando a sua falta de ambição. É apenas outra forma de agrupar objectivos, um baralhar e voltar a dar a que certamente não será alheia a separação das pastas do ambiente e do mar a meio da legislatura: verde para um lado, azul para o outro. Sempre assim foi antes, mas nos casamentos por conveniência, as separações antes do tempo causam ainda mais estragos e amuos.

O que falta? Ambição, já o disse. Ambição de não apenas “manter” o número de eventos internacionais ligados à náutica e ao mar, mas de o aumentar consideravelmente, ambição de poderem ser tiradas cartas náuticas em meio escolar, ambição de desburocratizar a aquisição e manutenção legal de um barco à vela, ambição de ter mais populações de espécies pescadas e cultivadas certificadas por entidades independentes, ambição de tornar Portugal o primeiro destino europeu de mergulho e observação de cetáceos em 2020, ambição de promover ainda mais as energias renováveis ligadas ao mar, em suma, ambição de olhar o mar como o maior manancial que temos para pôr em prática um crescimento sustentável.

Enquanto o crescimento verde não passar a um pleonasmo vetusto, enquanto não precisarmos e lhe adicionar uma cor para o distinguir do crescimento que não é sustentável e que por isso não deveríamos considerar crescimento, empenhemo-nos para que no caso de Portugal o crescimento verde possa ter um pouco mais de azul.

Biólogo (bagoncas@gmail.com)

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