Opinião: Um Nobel para sonhar proteínas

Os autores deste texto têm na cave do Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa, em Oeiras, mais de 2200 unidades de computação que “sonham” proteínas 24 horas por dia.

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Modelo computacional de uma proteína (transportador de maltose) inserida numa membrana ITQB

O tempo e o espaço moleculares são entidades misteriosas que se regem por regras estranhas ao mundo da nossa escala do dia-a-dia, governado pela física clássica. No início do século XX descobriram-se os fundamentos da linguagem que descreve esse mundo ao nível atómico e subatómico, a teoria quântica. O mundo subatómico mantém-se em contínua exploração, como bem ilustra o prémio Nobel da Física de 2013, atribuído a François Englert e Peter Higgs por avanços nesta última fronteira do conhecimento, fruto do casamento entre teoria e experimentação.

Tal como na física, na química e na biologia modernas, o casamento entre teoria e experimentação foi reforçado por um novo parceiro, a computação científica, e a partir dos anos 1950, tornou-se possível realizar “experimentação computacional”, na qual um modelo físico-matemático no computador é interrogado para prever as propriedades de moléculas ao nível atómico.

Essas abordagens são hoje ferramentas essenciais no arsenal da química, como já reconhecido em 1998 com a atribuição do prémio Nobel da Química a Walter Kohn e John Pople pelas suas contribuições para o tratamento teórico e computacional das moléculas e suas reacções. Mas, dado os recursos computacionais que tal exigiria, tais abordagens são de difícil aplicação a moléculas de grandes dimensões, o que deixa de lado sistemas complexos como as proteínas – tipicamente constituídas por muitos milhares de átomos.

O Nobel da Química de 2013, atribuído a Martin Karplus, Michael Levitt e Arieh Warshel, premeia desenvolvimentos que ultrapassaram esse obstáculo através de uma união harmoniosa entre a linguagem quântica mais fundamental e a linguagem mais simplificada da física clássica. Tal permite simular o comportamento temporal das moléculas – como um filme molecular – e prever reacções químicas como as que ocorrem no interior das proteínas para assegurar o funcionamento dos seres vivos.

Estas metodologias, altamente dependentes do uso de computadores, têm como ambição última simular a vida com base nos seus constituintes mais básicos (átomos e moléculas), compreendendo assim as máquinas moleculares que são, afinal, os seres vivos. No desbravar desse caminho, as ferramentas computacionais de Karplus, Levitt e Warshel vão sendo utilizadas em inúmeras aplicações, como no design de novos medicamentos.

Arieh Warshel foi o pivô em todo este processo, trabalhando quer com Michael Levitt no Instituto Weizmann em Israel e na Universidade de Cambridge, quer com Martin Karplus na Universidade de Harvard. Os esforços conjuntos destes três investigadores mudaram para sempre o panorama do estudo e compreensão das máquinas moleculares da vida.

Os autores deste texto são investigadores no Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa, que tem na sua cave mais de 2200 unidades de computação que “sonham” proteínas 24 horas por dia.

Coordenadores de grupos de modelação e simulação molecular no Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa
 
 
 

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