Um consórcio vai andar atrás de todas as colecções científicas de Portugal

Telescópios, herbários ou fotografias de microscópio são diferentes formas de materialização da ciência. Seis instituições querem reunir 18 milhões de euros para se saber o que existe no país.

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Exposição de zoologia do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra Sérgio Azenha (arquivo)

O incêndio em 1978 na Escola Politécnica, em Lisboa, foi um marco na destruição do património científico português. Várias colecções de animais desapareceram, alguns exemplares eram até de espécies já extintas. Mas quando a Escola Básica e Secundária Passos Manuel, em Lisboa, pediu há uns anos ajuda à Escola Politécnica para guardar parte da colecção de animais que tinha, devido a obras, descobriram-se exemplares idênticos aos que se perderam no incêndio e que tinham sido recolhidos nas mesmas viagens naturais às antigas colónias portuguesas. Pensava-se que o material ardido era único, mas afinal havia mais, só que a escola secundária desconhecia a sua importância.

Este é apenas um exemplo do património científico esquecido em Portugal. Para Marta Lourenço, investigadora do Museu Nacional de História Natural e da Ciência (Muhnac), da Universidade de Lisboa, haverá material semelhante noutras escolas, universidades e instituições. Está a ser criado consórcio para identificar estas colecções, avaliar a sua importância, ajudar a cuidar, manter e criar condições para as guardar, para que possam ser usadas por cientistas e pelo público.

“O mais importante é aquilo que não conhecemos, porque as colecções conhecidas estão semi-preservadas”, diz Marta Lourenço, coordenadora do PRISC, (sigla de Portuguese Research Infrastructure of Scientific Collections, ou Infra-estrutura Portuguesa de Investigação de Colecções Científicas). Além do Muhnac, há outras cinco instituições que participam como membros de pleno direito do PRISC e que envolvem duas dezenas de cientistas: o Museu de Ciência e o Museu de História Natural, ambos da Universidade do Porto; o Museu da Ciência e o Jardim Botânico, os dois da Universidade de Coimbra; e o Instituto de Investigação Científica Tropical, em Lisboa. E, como membros associados, fazem ainda parte mais de 25 instituições, entre institutos, câmaras municipais e museus.

O consórcio candidatou-se ao concurso da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) do Roteiro Nacional de Infra-estruturas de Investigação de Interesse Estratégico, um conjunto de equipamentos que sirvam para facilitar avanços científicos e tecnológicos em Portugal. Das 54 candidaturas analisadas por um painel científico, PRISC foi um dos 39 projectos escolhidos.

Outros exemplos de infra-estruturas aprovadas pela FCT são o Laboratório Nacional de Sequenciação e Análise de Genomas, o Colaboratório para as Geociências e a Infra-estrutura de Investigação – Integração do Solar em Edifícios. A criação do roteiro ainda vai passar por uma segunda fase, em que as candidaturas aprovadas apresentarão os planos de trabalho e de financiamento. A FCT utilizará dinheiro dos novos fundos estruturais europeus para financiar estes projectos.

O PRISC, que começou a formar-se em 2007, só irá existir formalmente após a criação do roteiro. Mas a candidatura já incluía um plano detalhado de como o consórcio vai funcionar. Como ainda não há qualquer financiamento, Marta Lourenço não sabe quais as capacidades que o consórcio terá tanto a nível de espaço para armazenar material como de ajuda às instituições para gerir as colecções.

Nos seus planos, o consórcio espera conseguir angariar 18 milhões de euros até 2020, incluindo o financiamento da FCT (dois milhões de euros) e de todas as outras fontes – europeias e nacionais. O facto de o PRISC ser considerado pela FCT como uma infra-estrutura estratégica vai facilitar a angariação de fundos: “Há concursos europeus destinados a estas infra-estruturas.”

Guardar em vez de destruir

Os seis membros de pleno direito, as mais de 25 instituições associadas ao PRISC e todas as que quiserem entretanto juntar-se ao projecto poderão ter as suas colecções científicas examinadas. “Nunca foi feito um levantamento nacional das colecções. Há muita matéria negra”, diz Marta Lourenço, referindo-se ao património desconhecido. “Importa averiguar as colecções geradas pelos centros de investigação, foram pagas pelos dinheiros públicos e não estão acessíveis.”

A primeira fase de trabalho, que demorará cerca de um ano, passará por esta vistoria nacional. Depois, o PRISC quer ensinar as instituições a cuidarem e a preservarem as suas colecções, de acordo com as melhores práticas internacionais. O objectivo a longo prazo é tornar estas colecções disponíveis para os investigadores poderem usá-las, mas também para o público em geral. “A evidência material da produção do conhecimento científico, os testemunhos, está nestas colecções.” No final, o PRISC terá uma página na Internet com a informação sobre as colecções.

Este material está longe de acabar em animais empalhados, microscópios e telescópios antigos ou herbários. As últimas décadas foram uma fonte enorme de produção de colecções materiais e imateriais. Há os novos “arquivos de biodiversidade”, como Marta Lourenço chama aos bancos de germoplasma, de tecidos e de ADN. Há protótipos de invenções e modelos de patentes, equipamentos usados na biotecnologia, biofísica, genética, robótica ou nanotecnologia.

Há bons exemplos lá fora do aproveitamento deste novo material. Na Universidade de Turim, na Itália, os responsáveis do Arquivo Científico e Tecnológico escolhem o material a guardar quando há o desmantelamento de um laboratório – algo que acontece a uma velocidade cada vez maior, devido ao aperfeiçoamento das técnicas de observação científicas e à chegada de novos instrumentos. O arquivo “filma as últimas horas de experiências, ficam com o registo áudio e vídeo com os próprios investigadores a explicarem as coisas”, diz a cientista.

Este registo é importante para a história da ciência. “As colecções do passado e do presente são elos cruciais da mesma cadeia cumulativa. Não só contam a história do conhecimento como continuam a contribuir para essa história, constantemente renovada.”

Para Marta Lourenço, os museus portugueses afastaram-se dos centros de investigação e da sua função educativa, perdendo assim a capacidade de absorver estas novas colecções. Por outro lado, os cientistas muitas vezes nem têm tempo para cuidar das colecções que vão criando. O trabalho do PRISC acabará por “ter o efeito de convocar as próprias instituições a assumir uma responsabilidade perante as colecções”.

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