Um cavalo de Tróia na ciência portuguesa

Como bem sabiam os gregos na guerra de Tróia, o que nenhum castelo aguenta, por muito bem projectado que seja, é a destruição por dentro.

Na construção de um edifício, damos mais ou menos ênfase a determinadas características, fazendo depender a nossa escolha dos fins a que este se destinará. Isto é válido tanto para edifícios concretos, prédios, museus ou monumentos edificados, como para estruturas mais abstractas, como um sistema nacional de saúde, de segurança social ou no que aqui me interessa, de ciência, tecnologia, investigação e conhecimento. Talvez nestes casos a melhor analogia seja com um castelo, que se quer robusto, operacional e sobretudo transmissor de confiança, não só aos que lá vivem e trabalham como a toda a população que a ele recorrerá em circunstâncias adversas.

Longe de estar terminado (e é bom que nunca esteja), o edifício da ciência em Portugal mudou várias vezes de arquitectura e velocidade de construção. Olhamos para ele e não vislumbramos a corrente arquitectónica que o inspirou, com uma série de camadas mais díspares do que estratos geológicos sobrepostos, que acabam por enfraquecê-lo. Ainda assim, prefiro compará-lo a um castelo, pelas razões acima expostas.

Como bem sabiam os gregos na guerra de Tróia, o que nenhum castelo aguenta, por muito bem projectado que seja, é a destruição por dentro. As paredes internas resistem mal a pancadas violentas de dentro para fora. Embrulhados num cavalo de Tróia, entraram no castelo os dirigentes da política de ciência com as suas mãos de tesoura a conjugar eufemisticamente o verbo podar em todas as direcções, não deixando pedra sobre pedra.

Mal estaríamos se em situações de guerra se dispensasse grande parte dos soldados, por mais rasos que fossem, ficando com uma pirâmide de patentes invertida. É exactamente o que se passa com os investigadores. Mal estaríamos se durante um cerco ao Castelo de Silves se ordenasse esvaziar a cisterna para metade, para reduzir custos de manutenção. É exactamente o que se passa com o financiamento das unidades de investigação.

Quando já pouco restar, vamos todos ter força para projectar outro edifício, tentando aprender com os erros do passado. É bom que por fora apresente uma estrutura coesa, indicadora de crescimento e esperança no futuro. No entanto, talvez nos devamos preocupar mais com a sua resistência às adversidades internas. Neste caso, a analogia com um castelo deixa de fazer sentido. Talvez uma estrutura do tipo parque de entretenimento para crianças hiperactivas e prepotentes, que tudo tentam destruir e que só obedecem aos pais que nunca estão presentes, seja uma boa alternativa.

Biólogo (bagoncas@gmail.com)

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