Tratamento de degenerescência macular com células estaminais embrionárias dá resultados positivos

Muitos dos doentes viram a sua visão melhorar substancialmente após um transplante de células da retina derivadas de um embrião humano.

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A degenerescência macular relacionada com a idade é uma das principais causas de cegueira nos adultos Pedro Cunha

O mais longo ensaio clínico de sempre de uma terapia à base de células estaminais derivadas de embriões humanos conclui que as células embrionárias transplantadas não provocaram, nos doentes, nenhum dos problemas que os cientistas receavam – tais como a formação de tumores. Para mais, a terapia permitiu reverter a cegueira parcial causada pela chamada degenerescência macular em cerca de metade dos olhos doentes tratados, anunciaram os responsáveis pelo estudo na revista médica The Lancet.

Estas conclusões poderão relançar a ideia de utilizar células estaminais no tratamento de doenças – ou seja, células capazes de dar origem a qualquer um dos 200 tipos de células humanas.

Num comentário que acompanha a publicação dos resultados, Anthony Atala, médico do Instituto Forest de Medicina Regenerativa (EUA), diz que o trabalho constitui um “avanço fundamental”.

O potencial terapêutico das células estaminais embrionárias começou por gerar muito entusiasmo entre os cientistas e a opinião pública. Mas entretanto, o debate ético em torno da destruição de embriões humanos (condição sine qua non para obter estas células) – e, em 2011, a interrupção pela empresa norte-americana Geron de um ensaio clínico destinado a tratar lesões graves da espinal medula – fizeram diminuir o interesse comercial em desenvolver este tipo de terapias.

O objectivo principal do presente ensaio clínico era avaliar a segurança das células transplantadas. Estas células, que formam o chamado epitélio pigmentar da retina, tinham sido criadas a partir de células estaminais colhidas num embrião humano, uns dias após a sua geração numa clínica que trata a infertilidade. A seguir, as células estaminais foram induzidas a diferenciar-se em células especializadas do epitélio pigmentar da retina.

O estudo “fornece a primeira prova concreta, em humanos afectados por uma doença, da segurança a longo prazo e da potencial actividade biológica” dos transplantes de células derivadas de embriões, diz Robert Lanza, co-autor do trabalho e máximo responsável científico da empresa Advanced Cell Technology, que produziu as células e financiou o estudo.

Nove pessoas com a doença de Stargardt (que provoca degenerescência macular na infância) e nove com degenerescência macular relacionada com a idade na sua forma “seca” (uma das principais causas de cegueira nos adultos) receberam implantes de células da retina num dos dois olhos. O outro olho serviu de ponto de referência.

Quatro dos olhos tratados desenvolveram uma cataracta e dois uma inflamação, provavelmente devido à idade dos doentes (mediana de 77 anos) ou ao uso de medicamentos supressores da imunidade habitualmente utilizados nos transplantes.

As células do epitélio pigmentar da retina, que ajudam a manter vivas e funcionais as células fotorreceptoras da retina (os cones e os bastonetes sensíveis à luz), sobreviveram nos 18 doentes, a maioria dos quais teve uma melhoria da visão.

Um ano mais tarde, nos doentes com degerenescência macular, o olho que tinha recebido o transplante celular conseguia ver em média 14 letras adicionais numa tabela oftalmológica convencional – enquanto a visão do olho não tratado tinha, em geral, baixado. Os resultados foram semelhantes nas pessoas com a doença de Stargardt.

Em termos da vida real, os doentes que antes não conseguiam ver objectos de altura inferior a quatro metros conseguem agora ver adultos de tamanho normal. E a deficiência visual de um agricultor de 75 anos que era cego do olho tratado (nível de deficiência visual 20/400) passou para apenas 20/40 – o suficiente para ele poder voltar a andar a cavalo, diz Lanza.

Outros doentes conseguiram utilizar computadores, ver as horas num relógio, ir sozinhos a um centro comercial ou deslocar-se a um aeroporto pela primeira vez em anos.

Embora considere estes resultados “encorajadores”, o especialista de células estaminais Dusko Ilic, do Kings College de Londres (que não participou no estudo), avisa que, mesmo que o ensaio clínico mais lato previsto ainda este ano também venha a ser um sucesso, “vai demorar anos até este tratamento ficar disponível”.

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