Teste ao sangue antecipa em oito meses a detecção de metástases do cancro da mama

Detecção de ADN das células cancerosas no sangue após quimioterapia e cirurgia feita em 55 mulheres com cancro da mama. Teste conseguiu encontrar ADN em 80% das mulheres que desenvolveram metástases.

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Publico / Arquivo

O desenvolvimento de um tratamento eficaz para todos os doentes de cancro é uma das empreitadas mais difíceis da ciência. Apesar do aumento das taxas de sobrevivência, ainda há cancros que não têm cura. Nos últimos anos, a facilidade com que se fazem análises ao ADN tem permitido sonhar com uma medicina mais personalizada que, em teoria, ajudará a identificar o melhor tratamento para cada pessoa. Essa tecnologia está já a dar frutos e permitiu, agora, antecipar em quase oito meses a detecção de metástases do cancro da mama, conclui um estudo publicado nesta quarta-feira na revista Science Translational Medicine.

"Um dos desafios-chave no tratamento de mulheres com cancro da mama é distinguir aquelas que correm o risco de desenvolver cancros secundários no futuro, depois de terem sido tratadas. Se conseguirmos identificar as que correm este risco, podemos tentar evitar essa reincidência”, explica Nicholas Turner ao PÚBLICO, líder de uma equipa no Instituto de Investigação do Cancro em Londres, que participou neste trabalho com cientistas de outras instituições de Inglaterra e dos EUA.

Da genética ao ambiente, passando pelo que se consome ou pelos comportamentos individuais, há variadíssimas causas para o cancro. Mas o resultado é igual: há células que sofrem mutações no seu material genético, transformam-se, multiplicam-se e fogem ao controlo do corpo, deixando de desempenhar as suas funções e invadindo outros tecidos.

Se o cancro não for tratado, acaba por pôr em cheque o organismo. Dependendo de onde o cancro surge ou de quais os tecidos que invade, os efeitos são diferentes. Um cancro pulmonar pode matar alguém que acaba por não conseguir respirar, enquanto um cancro no fígado pode alterar os níveis de cálcio no corpo levando, no extremo, à morte.

Em Portugal, cerca de 4500 mulheres são diagnosticadas com cancro na mama todos os anos. A taxa de sobrevivência a cinco anos para este cancro é alta em Portugal, de 83,4% entre 2005 e 2009, segundo um estudo na revista <i>The Lancet</i> em 2014.

Dependendo do tamanho do tumor e de indicadores como o próprio tipo de cancro, a doença pode ser mais perigosa nuns casos do que noutros. Nos cancros mais agressivos, além da cirurgia, há um tratamento de quimioterapia que antecede a cirurgia. As 55 mulheres que participaram neste estudo passaram todas por este tratamento duplo.

Mas antes de terem iniciado o tratamento, a equipa analisou as células cancerosas da mama de cada uma das 55 mulheres, para procurar mutações em 14 genes associados ao cancro da mama. O objectivo era permitir mais tarde, fazendo testes ao sangue, procurar os pedacinhos de ADN com as mutações genéticas. Sabe-se que o material genético de algumas das células cancerosas que morrem acaba na circulação sanguínea em quantidades mínimas.

Das 55 mulheres, 43 tinham mutações genéticas em um, ou mais, dos 14 genes. Após o tratamento, os cientistas foram procurar no sangue de cada uma das 43 mulheres o ADN com mutações. As análises foram feitas a seguir ao tratamento e de seis em seis meses durante cerca de dois anos. E em 13 destas 43 mulheres foi detectado ADN mutado pelo menos uma vez. Entre este grupo de 13 mulheres, 12 desenvolveram metástases. Já nas 30 mulheres em que os cientistas não encontraram ADN mutado após o tratamento, o cancro reincidiu apenas em três. Ao todo, das 43 mulheres com mutações ligadas aos 14 genes, 15 voltaram a ter cancro.

“Resultado impressionante”
Assim, as mulheres com ADN das células cancerosas no sangue após o tratamento têm um risco 12 vezes maior de uma reincidência, nos dois anos a seguir ao tratamento, do que aquelas em que não se encontrou ADN mutado. Por isso, das 15 mulheres que desenvolveram metástases, em 80% este método conseguiu identificar precocemente a doença. E em média, os testes deram resultados positivos 7,9 meses antes de as metástases serem identificadas pelas técnicas convencionais.

“Mostrámos que é possível prever quem estava em risco de ter uma reincidência. Temos esperança de usar estes testes para evitar ou adiar o aparecimento das metástases”, diz Nicholas Turner. “Há testes de sangue para marcadores tumorais, que podem ser úteis em cancros da mama avançados. Mas não são suficientemente sensíveis para detectar pequenas quantidades de células cancerosas, como fizemos neste estudo.”

As três mulheres em quem não se identificou o ADN mutado mas que voltaram a ter cancro desenvolveram-no no cérebro. Os cientistas pensam que a barreira hematoencefálica — uma barreira de células à volta dos vasos sanguíneos que protege o cérebro de substâncias perigosos, vírus ou bactérias no sangue — impediu que o ADN das células cancerosas no cérebro fosse parar ao sangue.

Segundo Tilak Sundaresan e Daniel Haber, investigadores do Centro de Cancro da Faculdade de Medicina de Harvard, nos EUA, há limitações neste estudo, escrevem num comentário que acompanha o artigo científico. Por exemplo, não se sabe se o teste ao sangue funcionaria tão bem nas mulheres que não têm, inicialmente, um cancro agressivo. Ainda assim, são elogiosos: “Os resultados impressionantes deste estudo-piloto fundamentam a utilidade da análise do ADN para a personalização do tratamento do cancro da mama.”

Para o ano haverá ensaios clínicos mais abrangentes para se compreender melhor a eficácia do teste, diz Nicholas Turner, citado num comunicado do seu instituto. Mas ainda é preciso olhar para estes resultados com cautela: “Ainda vão passar alguns anos antes deste teste estar disponível nos hospitais.” 

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