Técnica fotográfica computadorizada revela processos criativos de Paul Gauguin

O célebre pintor francês, mais conhecido pelas suas coloridas telas da vida quotidiana em Tahiti, utilizava métodos altamente experimentais para realizar gravuras.

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Natividade (Mãe e menino rodeados por cinco figuras), Paul Gauguin, circa 1902 Instituto de Arte de Chicago/doação Robert Allerton

Analisando em luz normal, com uma máquina fotográfica e um software, gravuras do pintor pós-impressionista Paul Gauguin (1848 – 1903), uma equipa de cientistas nos EUA conseguiu desvendar alguns pormenores das técnicas inovadoras que aquele artista utilizava, há mais de um século, para fazer gravuras. A equipa apresentou os seus resultados no congresso anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, a editora da revista Science), a decorrer até esta segunda-feira na Califórnia.

A equipa de Oliver Cossairt, especialista de informática da Universidade Northwestern, e colegas do Instituto de Arte de Chicago, perscrutaram a superfície de 19 gravuras de Gauguin pertencentes à colecção daquele instituto – e em particular de uma gravura intitulada Natividade, que Gauguin, que era ávido experimentador deste tipo de técnicas, realizou em 1902.

Os cientistas conseguiram dissecar passo a passo o processo de fabrico desta gravura, mostrando que Gauguin a criou em várias camadas, recorrendo a desenhos, decalques e a duas tintas diferentes, explica em comunicado a Universidade Northwestern.

Uma lâmpada foi colocada em 20 pontos diferentes e uma fotografia da gravura tirada para cada uma dessas posições. Os dados digitais assim obtidos foram a seguir analisados por um software desenvolvido para o efeito. “Basicamente, os cientistas mediram assim a resposta da superfície da obra de arte à iluminação”, salienta o mesmo documento.

“Para medir a superfície 3D das gravuras, recorremos a técnicas muito acessíveis que podem ser utilizadas pelos curadores de arte e os historiadores do mundo inteiro”, diz Gossairt, que desenvolveu o software. “A técnica permite-nos retirar [virtualmente] a cor da gravura e olhar apenas para a estrutura da superfície.”

A análise de Natividade revelou duas características inéditas. Em primeiro lugar, que as linhas brancas da gravura foram feitas por um processo de decalque, “em que Gauguin desenhava numa superfície coberta de tinta, removendo a tinta, e a seguir transferia essas linhas ‘vazias’ para a gravura”. Em segundo lugar, que as linhas pretas se encontram em cima de “altos” presentes no papel e que, para as obter, “Gauguin terá colocado o papel [da gravura] sobre uma superfície coberta de tinta e a seguir desenhado com um lápis no verso do papel, transferindo tinta nos sítios onde carregava com o lápis” – e, ao mesmo tempo, criando os ditos “altos” com a pressão exercida.

“Gauguin morreu há mais de um século, mas ainda há coisas a dizer e a descobrir” acerca do seu trabalho, diz Harriet Stratis, responsável pelo projecto Gauguin no Instituto de Arte de Chicago, também citada no comunicado.

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