Supremo Tribunal dos EUA decide que genes humanos não podem ser patenteados

Com uma decisão unânime, um veredicto de nove a zero, foi anulada a patente da empresa com o monopólio para o teste genético preditivo do risco de cancro da mama e do ovário.

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Reuters

Os genes humanos não podem ser patenteados porque são um produto da natureza. Esta conclusão pode parecer óbvia mas a verdade é que o debate sobre a possibilidade de patentear os genes humanos ocupou a comunidade científica durante vários anos. A discussão chegou mesmo à justiça nos EUA com uma acção que contestava a única patente deste género e que era detida pela célebre empresa Myriad para os testes genéticos para o risco de cancro hereditário da mama e do ovário. Nesta semana, o Supremo Tribunal dos EUA anunciou o veredicto unânime: os genes humanos não podem ser patenteados.

Os testes genéticos preditivos do risco de cancro da mama hereditário ou realizados com o objectivo de diagnosticar a doença são feitos há vários anos. Porém, nos EUA foi criada uma situação especial. Há cerca de dez anos, aproveitando o arranque e a falta de informação da área de testes genéticos, a empresa Myriad, do Utah, patenteou um painel de testes a mutações dos genes BRCA1 e BRCA2, associadas a um risco elevado de desenvolver o cancro da mama e do ovário. Foram as primeiras e únicas patentes do género. Mais nenhum teste genético foi aceite para patente mas, assim, a Myriad conseguiu o monopólio norte-americano da sequenciação destes genes e o seu uso em testes genéticos preditivos e de diagnóstico.

Apesar de as empresas norte americanas terem encontrado uma forma de contornar este obstáculo da patente - recorrendo a testes rápidos com o rótulo de “uso exclusivo para investigação” mas que acabam por ser usados pelos laboratórios - impunha-se conseguir a anulação desta patente que condicionava o acesso a um dos testes genéticos mais procurados (e por isso um dos mais apetecidos para as empresas da área).

O caso chegou à justiça com um apelo da Associação de Patologia Molecular - a representar os doentes, cientistas e prestadores de cuidados de saúde - ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos para que avaliasse se os genes humanos podem ser patenteados ou se são produtos da natureza, não patenteáveis.

No centro da polémica estava, claro, a empresa Myriad e as suas sete patentes sobre o BRCA1 e o BRCA2. Pedia-se a anulação das patentes. Além de defenderem que os genes são produtos da natureza, invocava-se ainda as limitações de acesso de muitas mulheres a este teste que pode custar nos EUA cerca de 5 mil dólares. Em Portugal este teste genético é um dos mais procurados e pode rondar os mil euros.

O processo ganhou ainda mais fôlego e destaque com a decisão, anunciada recentemente, de Angelina Jolie que - após um teste que detectou mutações nestes genes - optou por fazer uma mastectomia profiláctica. Nesta quinta-feira, ao final do dia, os juizes anularam a polémica patente. “A Myriad não criou nada. Na verdade, encontrou um gene importante e útil, mas separar este gene do material genético que está à sua volta não é um acto de invenção”, escreveu o juíz Clarence Thomas, num documento para o tribunal, citado pelo NY Times. Apesar desta decisão, os juizes consideraram também que existe uma diferença entre o material de ADN que é um produto da natureza e o ADN sintético, criado em laboratório, sendo que concluíram que este último pode ser alvo de patentes.

Recentemente, o PÚBLICO noticiou o trabalho que envolveu uma equipa do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) e que resultou na validação de um teste genético de cancro hereditário da mama para a empresa norte-americana Life Technologies. O produto entrou no mercado norte-americano com o rótulo de “uso exclusivo para investigação” em Abril deste ano. Foi mais um contributo para tentar derrubar o monopólio que a Myriad detém para este teste e que é responsável por cerca de 70% dos seus lucros.

Na edição impressa de sábado pode ler a opinião do médico e geneticista Jorge Sequeiros sobre a privatização dos genes do cancro da mama e ovário

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