Sal e doenças auto-imunes, uma relação inesperada

Três estudos na edição desta semana da revista Nature dizem que há uma ligação entre as doenças como a artrite reumatóide e o consumo excessivo de sal.

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O sal pode estar relacionado com as doenças auto-imunes. Rui Gaudêncio

Nas últimas décadas, os casos de doenças auto-imunes, como a esclerose múltipla, a diabetes tipo 1 e a artrite reumatóide, têm vindo a aumentar. Três trabalhos científicos, em ratinhos, revelam agora que pode ter-se descoberto uma das razões para esse aumento: o sal.

Na edição desta semana, a revista Nature publicou três trabalhos científicos, liderados por investigadores das faculdades de medicina de Yale e Harvard e do Instituto Broad, nos Estados Unidos, que põem a hipótese de o sal potenciar as doenças auto-imunes.

Os investigadores aplicaram a ratinhos uma dieta com quantidades bastante elevadas de sal, ou cloreto de sódio. Observaram, então, que o sal potencia a produção de um tipo de células imunitárias, os linfócitos T. Estas células são importantes para combater agentes infecciosos, mas, quando são de mais, podem entrar em conflito com o organismo e desencadear doenças auto-imunes.

Em demasia e em conjunto com factores genéticos e ambientais, podem surgir doenças auto-imunes, em que as defesas do organismo deixam de reconhecer os próprios tecidos e atacam-nos como se fossem intrusos.

“Actualmente, as dietas ocidentais têm altos níveis de sal e isso levou ao aumento da hipertensão e, possivelmente, também das doenças auto-imunes”, refere David Hafler, um dos autores do estudo de Yale, citado num comunicado de imprensa.

Estas investigações foram inspiradas, em parte, na observação de uma alimentação à base de fast food, com altos níveis de sal, e que tende a desencadear o aumento da produção de células envolvidas nos mecanismos de inflamação, que são mobilizadas pelo sistema imunitário quando nos ferimos ou somos atacados por agentes infecciosos. Só que, nas doenças auto-imunes, o sistema imunitário vira-se contra nós. Os factores genéticos, só por si, não podem explicar o aumento dos casos de doenças auto-imunes, consideram os cientistas, e por isso foram à procura de outros possíveis factores. E dizem ter encontrado esta relação inesperada entre sal e doenças auto-imunes.

“Estes resultados são um contributo importante para a compreensão da esclerose múltipla e pode estabelecer novos alvos para tratar melhor esta doença, para a qual ainda não há cura”, diz Ralf Linker, director do Departamento de Neurologia do Hospital Universitário de Erlangen, na Alemanha.

“Claro que não é só o sal”, refere Vijay Kuchroo, do Instituto Broad. “Temos uma arquitectura genética: genes ligados a várias formas de doenças auto-imunes e que predispõem uma pessoa para estas doenças. Mas também suspeitamos que os factores ambientais desempenhem um papel: infecções, fumar, falta de luz solar e de vitamina D. O sal pode ser mais uma coisa na lista dos factores ambientais que promovem o desenvolvimento da auto-imunidade.”

Por isso, outros dos cientistas envolvidos nestes trabalhos, Aviv Regev, também do Instituto Broad, faz a pergunta que temos na cabeça, principalmente num país como Portugal, onde o consumo de sal é excessivo: “Como podemos olhar para estes resultados para a saúde humana? É prematuro dizer: ‘Não deve comer sal porque vai ter uma doença auto-imune.’ Estamos a avançar com uma hipótese interessante – uma ligação entre o sal e a auto-imunidade – que agora tem de ser testada através de estudos epidemiológicos nos humanos.”

Num comentário na mesma edição da Nature, John O’Shea, do Instituto Nacional de Artrite e Doenças Musculoesqueléticas e da Pele dos Estados Unidos, e Russell Jones, da Universidade McGill, no Canadá, também consideram que vai um grande passo entre estes resultados em animais e a sua extrapolação para os humanos: “Estes estudos mostram que o cloreto de sódio potencia uma doença criada artificialmente; não há dados que indiquem que promova ou piore o aparecimento espontâneo da doença.” Estes dois especialistas dizem ainda: “Apesar de estes dados serem entusiasmantes, é claramente prematuro – como apontam autores dos estudos – dizer que uma dieta à base de sal influencia as doenças auto-imunes nos humanos.”

Mesmo sendo ainda uma hipótese que necessita de mais estudos, uma coisa é certa em relação ao sal: quando é de mais, está relacionado com as doenças cardiovasculares. 

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