Prémio Longitude quer atribuir 12 milhões de euros para resolver problema do século XXI

Os britânicos estão agora a votar para definir o tema de um novo prémio milionário, entre seis possíveis: alimentação, água, dióxido de carbono, demências, paralisia e antibióticos. Depois, um comité ficará à espera de propostas vindas de qualquer parte do mundo, e a melhor levará o prémio para casa.

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Ao fim de 300 anos do lançamento do Prémio Longitude original para determinar a longitude no mar, seis problemas do século XXI motivaram agora o novo galardão NASA/Reuters

Quando, em 1714, o Governo britânico criou o Prémio Longitude de 20.000 libras, não era possível determinar com rigor a localização de um navio no mar. Media-se a latitude no oceano, mas não a longitude, o que levou à morte de muitos marinheiros em naufrágios. O relojoeiro britânico John Harrison inventou o cronómetro marítimo e acabou por ser premiado ao fim de muitas décadas. Hoje, os problemas da humanidade são outros. A 22 de Maio, iniciou-se no Reino Unido a votação pública para eleger o tema que vai estar em jogo no novo Prémio Longitude, lançado 300 anos depois do original.

Até 25 de Junho, os britânicos podem votar num de seis objectivos que o galardão poderá premiar: uma inovação sustentável que permita uma alimentação saudável para todos; uma tecnologia barata para dessalinizar a água do mar; um avião que não emita dióxido de carbono; uma cura para a paralisia; um dispositivo que faça o diagnóstico das infecções evitando o uso desnecessário de antibióticos; e uma tecnologia para melhorar a vida de pessoas afectadas com doenças neurodegenerativas.

Assim que se souber qual é o tema eleito pelo público, o comité organizador do prémio vai definir quais os objectivos que uma solução apresentada por um candidato terá de cumprir para ser merecedora do prémio. Esses objectivos serão apresentados em Setembro. Qualquer pessoa ou equipa, de qualquer parte do mundo, poderá depois candidatar-se ao prémio de 10 milhões de libras (12,28 milhões de euros). Terá um prazo máximo de cinco anos para apresentar o resultado da sua ideia, para poder ganhar o prémio.

“No século XVIII, havia um desafio técnico óbvio”, disse o astrónomo real Martins Rees, professor jubilado da Universidade de Cambridge, referindo-se ao problema que o prémio original quis premiar, numa entrevista à revista New Scientist. O cientista dirige o comité, de 18 personalidades, que nos últimos dois anos escolheu os seis temas em votação. “Agora o mundo é muito mais complicado. Além disso, há muitos prémios para desafios concretos, especialmente nos EUA. Para um único grande prémio do Reino Unido, o nosso grupo identificou seis áreas em que há espaço para a inovação e invenção de uma tecnologia barata.”

Nesse sentido, a ideia dos aviões verdes é exemplar. Por trás está um objectivo nacional do Reino Unido em reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2), responsável pelo efeito de estufa que está a provocar as alterações climáticas. Mas a proposta, se esta for a categoria mais votada, é muito específica: o desenvolvimento do protótipo de um avião que consiga fazer a viagem entre Londres e Edimburgo sem (ou quase sem) emissões de CO2. Tendo em conta a previsão de que as viagens de avião serão, no futuro, responsáveis por 15% das emissões de dióxido de carbono, uma inovação deste calibre teria um impacto importante na redução das emissões a nível mundial.

O prémio será financiado em parte pela Nesta, uma fundação não governamental para a inovação do Reino Unido, terá também dinheiro público vindo do Conselho de Estratégia para a Tecnologia. “Há tantos problemas no nosso mundo a necessitar de uma solução extraordinária, seja a cura da demência, seja um voo sem libertação de CO2 entre Inglaterra e Nova Iorque. Vamos desafiar o público e os cientistas a pensar sobre o grande problema que queremos resolver”, disse, há quase um ano, o primeiro-ministro britânico, David Cameron.

A física Athene Donald, do comité do prémio, defendeu num artigo de opinião, no jornal The Guardian, que esta votação permite a participação do público nos temas de ciência: “Aqui está uma oportunidade genuína para os cientistas ouvirem o que o cidadão comum pensa ser o mais importante.”

Depois, a resolução do problema estará nas mãos de quem quiser atirar-se a ele. “Se algum destes problemas pudesse ser resolvido de forma simples, já teria sido”, escreveu a física. “Mas o desafio não é só ganhar o prémio. É também a exploração de novas opções, tanto a ciência que está subjacente como a inovação necessária às suas produções, escala e redução de custos.”

 
A invenção de um relojoeiro

Há 300 anos, a solução para medir a longitude em alto mar veio de onde menos se esperava. A comunidade científica inglesa contava que fossem os astrónomos a dizerem “eureka”. Na altura, já se sabia medir a longitude quando se estava no alto mar, mas dependia de dois relógios: um com a hora da cidade de partida, que estava a uma longitude conhecida, o outro actualizado todos os dias ao meio-dia no meio do mar.

A partir destas duas medidas do tempo, é possível obter uma diferença do número de horas entre o local onde se está no mar e a cidade de partida. Essa diferença, a uma dada latitude, equivale a uma distância horizontal, traduzida em quilómetros ou graus, que define a longitude. Basta pensar que, se estivermos no equador e não nos mexermos, durante as 24 horas em que a Terra dá uma volta sobre si mesma regressamos ao ponto de partida. As 24 horas equivalem, por isso, à circunferência terrestre equatorial de 40.000 quilómetros. Na linha do equador, uma hora equivale à 24.ª parte dessa circunferência, o que é cerca de 1666 quilómetros. A diferença de horas entre um ponto no mar e uma cidade costeira permite, assim, obter essa distância em quilómetros ou em graus.

Esta conta parece fácil. O problema para os navegadores do século XVIII é que os relógios de pêndulo usados na altura sofriam todo o tipo de desarranjos nas viagens de alto mar. Com as diferenças de temperatura e de humidade vividas naquelas grandes travessias, o óleo lubrificante dos relógios ficava mais espesso ou fino. Estas mudanças, que também afectavam o metal dos relógios de pêndulo, acabavam por fazer os aparelhos atrasar-se, adiantar-se ou estragar-se completamente.

Para surpresa de muitos, não foi um astrónomo que resolveu este grande problema — mas um relojoeiro e carpinteiro sem educação formal. John Harrison inventou o cronómetro marítimo, cujos mecanismos contornavam os problemas que afectavam os relógios de pêndulo.

Durante décadas, recebeu dinheiro e construiu versões cada vez mais sofisticadas do seu aparelho. Os novos relógios que fez não usavam o pêndulo e eram praticamente livres de fricção, por isso não precisavam de lubrificação. Só em 1773, já com 80 anos, é que o inventor conseguiu receber um prémio monetário do rei Jorge III no valor de 8750 libras.

David Rowan, editor da revista britânica Wired e membro do comité, valoriza o grau de imprevisibilidade deste prémio. “O lado brilhante do Prémio Longitude é que não se sabe de onde virá a resposta”, defende, citado pela BBC News. “A multidão é mais inteligente do que qualquer um de nós do comité. As pessoas juntam--se das formas mais extraordinárias e imprevisíveis para resolver os problemas, e nós queremos ver o que é que resulta daí. Surpreendam-nos!” 

 

 

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