Rede de laboratórios divulga críticas que o conselho nacional de ciência não divulgou por pressão de Leonor Parreira

Críticas ao Governo que o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia não tinha divulgado oficialmente foram agora mencionadas no comunicado de outro fórum de discussão do sistema científico português.

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Leonor Parreira, secretária de Estado da Ciência Rui Gaudêncio (arquivo)

O último comunicado do Conselho dos Laboratórios Associados, divulgado por esta rede de 26 instituições científicas esta segunda-feira, refere explicitamente um comunicado de outro órgão – o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNCT) – que não chegou até hoje a ver a luz do dia sobre a actual crise na ciência. Nesse comunicado nunca divulgado oficialmente resultante de uma reunião com a secretária de Estado da Ciência a 23 de Janeiro, os conselheiros do CNCT, órgão criado pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho para aconselhar o Governo nestes assuntos, pediam uma “auditoria aos processos de avaliação” da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), na sequência dos últimos resultados das bolsas de investigação.

Divulgados a 15 de Janeiro, os resultados do concurso das bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento da FCT, tutelada pelo Ministério da Educação e Ciência, revelaram cortes brutais face ao ano anterior – o que desencadeou uma chuva de críticas por toda a comunidade científica. Foi neste contexto de crise que o CNCT se reuniu, a 23 de Janeiro, com a secretária de Estado da Ciência, Leonor Parreira, e o presidente da FCT, Miguel Seabra.

Dessa reunião seria preparado um “Comunicado de Imprensa do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia”, que tecia algumas críticas ao que se está a passar no sistema científico português. Mas, ao ser enviado para Leonor Parreira, acabaria por não ser divulgado até agora e vir a público através dos meios de comunicação social. Nesta segunda-feira, o CNCT reuniu-se em Lisboa apenas entre si para falar do que se tem passado internamente no conselho.

“O CNCT, reconhecendo aos decisores políticos legitimidade para definirem os seus objectivos e as suas políticas (…), preocupa-se com a redução muito significativa do número de bolsas individuais atribuídas pela FCT”, lê-se no comunicado que não chegou oficialmente a ser divulgado. “A estratégia que terá resultado nesta redução não foi previamente anunciada nem debatida com a comunidade científica, tendo trazido instabilidade ao sector”, critica-se ainda. Por isso, o CNCT recomendava que a tutela da Ciência tornasse público “o seu plano estratégico de fundo, comunicando, clara e atempadamente as suas políticas à comunidade, desejavelmente envolvendo-a na discussão das suas orientações”.

Depois do anúncio dos resultados das bolsas, surgiram várias dúvidas sobre os procedimentos seguidos na avaliação, nomeadamente por parte de alguns painéis de avaliação do concurso das bolsas. A este propósito, o comunicado recomendava: “A polémica em torno destas questões abalou a confiança dos investigadores nos processos seguidos pela FCT. Neste sentido, e na medida em que os problemas com aspectos processuais na FCT são de longa data, o CNCT recomenda uma auditoria externa ao funcionamento dos serviços da FCT que determine os meios adequados às funções que lhe são cometidas, bem como avaliações internacionais regulares ao desenho das estruturas de decisão, aos procedimentos e às regras processuais seguidas nos concursos da FCT.”

Por que é que a posição do CNCT não foi divulgada? Segundo o site da RTP na semana passada, o comunicado ficou pronto a 31 de Janeiro, ou seja, cerca de uma semana depois da reunião entre o CNCT e os responsáveis governamentais da ciência. Mas um email do coordenador do CNCT, o investigador António Coutinho, dirigido a todos os conselheiros, todos cientistas, dizia que Leonor Parreira não teria gostado do que leu antecipadamente no comunicado: considerou-o “incorrecto e parcial”, dando uma “informação muito limitada” da reunião de 23 de Janeiro e “escrito em tom muito negativo”, segundo noticiou o jornal Expresso também na semana passada. Ainda nesse email, António Coutinho terá dito aos conselheiros ter ficado com a percepção de que Leonor Parreira achava que o CNCT estava de “má fé”.

O comunicado sobre o comunicado
Agora, no seu comunicado desta segunda-feira, o Conselho dos Laboratórios Associados (CLA) – que é coordenado pelo investigador Alexandre Quintanilha, por sua vez um dos 20 membros do CNCT – considera que esta situação está entre os novos factos que entretanto vieram “avolumar” as suas “preocupações”: “A situação atingiu tal gravidade que, como veio a público na imprensa, o próprio CNCT vem pedir uma auditoria aos processos de avaliação da FCT, exprimir a sua preocupação sobre as decisões tomadas de exclusão e condenação ao desemprego ou à emigração de inúmeros cientistas qualificados e recomendar medidas correctivas.”

Mais: “Verificamos, contudo, que o comunicado aprovado pelo CNCT e largamente publicitado na imprensa não saiu normalmente a público porque o Governo se permitiu exercer pressão sobre as deliberações deste órgão consultivo por si nomeado, para que as altere ou, pelo menos, as não divulgue publicamente!”

Além disto, o CLA lamenta ainda que para o acordo de parceria entre Portugal e a Comissão Europeia sobre os novos fundos estruturais europeus (Feder e o Fundo Social Europeu), entre 2014 e 2020, não foram ouvidas nem as universidades nem as instituições científicas – “à revelia das normas nacionais e comunitárias” e “supomos que pela primeira vez desde que Portugal aderiu à CEE”.

O CLA comenta ainda as declarações de Passos Coelho sobre a evolução da ciência em Portugal proferidas na semana passada: “Ouvimos com estupefacção (…) que os cientistas não teriam respondido adequadamente aos investimentos feitos na ciência. A produção científica e as patentes, indicadores citados, não teriam evoluído em conformidade, e assim Portugal não tinha ainda atingido os níveis de países mais desenvolvidos. Por isso, seria necessário mudar de política! O CLA gostaria apenas de responder serenamente que estas afirmações infelizes carecem de fundamento.”

Por fim, o CLA deixa a todos: “Para que defendam o futuro da ciência: por aí passa o futuro da sociedade.”
 
 
 
 

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