PS e BE forçam Crato a dar explicações sobre bolsas da FCT

Oposição lança forte ataque aos cortes nas bolsas de investigação. Conselho Nacional de Ciência Tecnologia pretende enviar uma carta ao primeiro-ministro a propósito das declarações de Pires de Lima sobre a distância entre a ciência e a economia.

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Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência Nuno Ferreira Santos (arquivo)

Uma chuva de críticas em torno das bolsas atribuídas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) inundou a maioria PSD/CDS no debate em plenário na Assembleia da República, esta quinta-feira. O PS marcou um debate de actualidade para esta sexta-feira para obrigar o ministro da Educação e Ciência Nuno Crato a ir ao Parlamento dar explicações, depois desta semana uma audição ordinária do governante já ter sido chumbada pela maioria. O BE também se mostrou disponível para usar um direito potestativo para forçar uma audição em comissão.

No período de declarações políticas, as bancadas da oposição escolheram os resultados das bolsas de investigação para acusar o Governo de dar uma “machadada” na ciência.

Rita Rato, deputada do PCP, começou por contradizer o que o Governo diz ser um novo paradigma da investigação. “É um novo paradigma da desqualificação, do empobrecimento real mas também intelectual. O que está a acontecer com a ciência é inaceitável. Os cientistas merecem ser tratados com respeito com dignidade que é o que não está a acontecer”, afirmou a deputada comunista, referindo que a situação leva muitos a emigrar. Esta foi a principal crítica lançada por Heloísa Apolónia de Os Verdes, que faz outra leitura do paradigma defendido pelo Governo: “A precariedade tem sido o paradigma desta actividade.”

Rita Rato lançou ainda uma pergunta que seria retomada por Carlos Zorrinho, deputado do PS. “Por que não há dinheiro para a ciência, para os investigadores? Se há dinheiro porque não chega? Posso imaginar que esteja a tapar buracos”, afirmou Zorrinho, antecipando a questão com que esta sexta-feira o PS irá confrontar o ministro da Educação.

O deputado bloquista Luís Fazenda lembrou as garantias dadas recentemente pelo primeiro-ministro em plenário de que não havia cortes na investigação científica. E defendeu que o ministro da Educação e Ciência devia “dar a cara”, disponibilizando-se o BE para propor uma audição potestativa. Quanto à FCT, é uma fundação “dilacerada” e “submetida a interesses”.

Mas se a proposta do PCP para ouvir Nuno Crato (e a secretária de Estado da Ciência, Leonor Parreira) na Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura tinha sido chumbada, já a ida do presidente da FCT, Miguel Seabra, à mesma comissão por proposta do Bloco de Esquerda foi aprovada. Leonor Parreira também foi chamada para acompanhar o ministro – pelo que, afinal, os três responsáveis do Ministério da Ciência estarão no Parlamento esta sexta-feira.

A defesa do Governo foi feita pelo deputado do PSD Duarte Marques, já que o CDS só interveio quando o PS fez a sua declaração política sobre o mesmo tema. Duarte Marques sustentou haver um aumento de exigência. “O que está em causa é uma alteração dos investimentos de ciência. É um aumento de exigência, aquilo que nós queremos é dar condições para investigar”, afirmou o social-democrata, pedindo à oposição que desse o benefício da dúvida até ouvir o ministro no Parlamento. Rita Rato contrapôs com uma pergunta: “Cortar 26 milhões de euros é aumentar o investimento na ciência?” E rematou com um exemplo: “A PT declara 208 milhões de euros de investimento em investigação. Sabe quantos doutorados tem? Apresenta um doutorado.”

Michael Seufert, do CDS, confrontou os socialistas com a situação financeira herdada em 2011 na ciência e que “não era brilhante”. E questionou Carlos Zorrinho se no tempo dos governos de Sócrates também não havia verbas desviadas para pagamentos nesta área. Zorrinho não respondeu directamente à pergunta e sublinhou que foi reconhecida internacionalmente a aposta na ciência.


Carta a Passos Coelho sobre Pires de Lima
Esta quinta-feira, foi a vez de Leonor Parreira e Miguel Seabra se reunirem com os membros do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNCT), um órgão consultivo do Governo, criado em 2012 pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Os conselheiros queriam ouvir esclarecimentos dos dois responsáveis do Ministério da Educação e Ciência sobre os cortes acentuados (conhecidos na semana passada) nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento no último concurso e as duras questões que isso suscitou um pouco por toda a comunidade científica.

Presidido pelo investigador António Coutinho, ex-director do Instituto Gulbenkian de Ciência de Oeiras, o CNCT pretende também enviar uma carta a Pedro Passos Coelho, para o aconselhar relativamente “à definição da política científica e estratégias nacionais, de médio e longo prazo”, lê-se na última versão a que o PÚBLICO teve acesso.

Ainda que a carta tenha Passos Coelho como destinatário, é ao ministro da Economia, António Pires de Lima, que dedica grande atenção. Mais concretamente, às suas declarações recentes de que a investigação não chega às empresas e que não é possível manter um modelo de financiamento que tenha esta distância. A carta omite os cortes das bolsas, o desinvestimento na ciência, a emigração científica, no centro das críticas.

O que disse então Pires de Lima, no dia seguinte ao anúncio das bolsas? “Uma boa parte da investigação é financiada por dinheiros públicos e não chega à economia real. Não chega a transformar o conhecimento em resultados concretos que depois beneficiem a sociedade como um todo”, afirmou, citado pela Lusa, num debate na Fundação de Serralves, no Porto. Acrescentou não ser possível “alimentar um modelo que permita à investigação e à ciência viverem no conforto de estar longe das empresas e da vida real”, referindo o elevado nível de doutorados “per capita” em Portugal por oposição ao número pequeno de doutorados nas empresas.

A carta começa e acaba em Pires de Lima. “Dirigimo-nos a sua excelência [Passos Coelho] para manifestar a nossa profunda preocupação com o diagnóstico e políticas defendidos recentemente pelo senhor ministro da Economia, Dr. António Pires de Lima”, diz o documento, recordando as críticas do ministro à “investigação científica financiada por dinheiros públicos e que ‘vive no conforto de estar longe das empresas e da vida real’”.

Menciona-se ainda que o Produto Interno Bruto (PIB) português gasto em ciência está a cair desde 2009, o que revela uma diminuição do esforço do país em investigação nos últimos anos (em 2012 era de 1,5%): “Este decréscimo reflecte um desinvestimento público nos últimos anos em I&D [investigação e desenvolvimento].” Mas a carta volta a centrar as atenções no número baixo de doutorados recrutados pelas empresas.

“Os dinheiros públicos gastos em I&D serão dos poucos exemplos de investimento inteligente e sustentado no nosso país nas últimas décadas e que tem correspondido com resultados e mais-valias significativas”, lê-se, acrescentando-se que “não só a investigação aplicada, mas também a investigação fundamental suporta várias empresas de base tecnológica, criando um dinamismo centrado no uso e desenvolvimento de tecnologia de ponta que tem já um peso significativo na nossa economia”.

A carta termina com o CNCT a defender firmemente que “o investimento público em I&D deve não só continuar, como ser reforçado, não excluindo a necessidade premente de melhorar a sua articulação com as empresas”. E o conselho disponibiliza-se para explicar ao ministro da Economia “pessoalmente” como a ciência é importante para a economia e identificar instrumentos de coordenação da acção política para o “investimento público (e privado) em I&D entre os dois ministérios”. Com Nicolau Ferreira

Notícia actualizada às 21h13.
 

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