“Problema político” impede desburocratização da investigação científica

Cerca de 250 investigadores estiveram na Assembleia da República a discutir o futuro da política científica.

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Na conferência, defendeu-se a investigação fundamental Adriano Miranda (arquivo)

A excessiva burocracia instalada, a falta da absorção de investigadores pelas empresas portuguesas e a importância da investigação fundamental foram os três aspectos mais consensuais na conferência O Futuro da Ciência em Portugal, que decorreu na Assembleia da República, em Lisboa, nesta terça-feira. Durante a conferência ouviram-se vários investigadores, pessoas ligadas à indústria, além do presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

“Senhores deputados, precisamos da vossa ajuda nos aspectos de burocracia. Por favor, não nos dificultem a vida”, disse Miguel Seabra, presidente da FCT, já no final da discussão do primeiro painel dedicado ao Financiamento e sustentabilidade do sistema científico e tecnológico nacional e o novo quadro comunitário.

“O problema é político, quem pode resolver isto é o primeiro-ministro e a ministra das Finanças”, defendeu, por sua vez, José Manuel Mendonça, membro da comissão executiva do Conselho dos Laboratórios Associados, uma rede de 26 laboratórios que existe no país, e director do Instituto Nacional de Engenharia de Sistemas e Computadores do Porto. “Temos uma cultura de burocracia, [dizemos que] a culpa é de Bruxelas mas depois descobre-se que Bruxelas é só 20% da burocracia.”

A conferência, que reuniu 250 pessoas da comunidade científica, foi organizada pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura e decorreu na Sala do Senado da Assembleia da República. Na primeira parte, além de Miguel Seabra e José Manuel Mendonça, falaram José Manuel Catarino, presidente do Fórum dos Conselhos Científicos dos Laboratórios do Estado, e Sebastião Feyo de Azevedo, membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, que tem como função aconselhar o Governo sobre os grandes temas da política de ciência.

Para Sebastião Feyo de Azevedo, director da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e reitor eleito da Universidade do Porto, um dos problemas da falta de empregabilidade dos investigadores é o facto de haver “menos de 3% de trabalhadores doutorados em empresas”. O director defendeu ainda a necessidade de se “suprir a carência de pessoal técnico e de gestão científica das universidades e dos centros de investigação” e “reforçar os estatutos de autonomia das instituições”.

Cinco meses após os primeiros resultados do concurso individual para bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento da FCT terem causado um protesto devido à diminuição do número de bolsas, tornando visível um mal-estar existente, o futuro da ciência continua indefinido. Um dos temas mais abordados foi o “binómio” entre a investigação fundamental e a investigação aplicada, como lhe chamou Manuel Sobrinho Simões. “Há lugar para a aplicação, há lugar para a inovação — é bom que o haja —, mas os cientistas devem resistir a competir numa métrica que não é a métrica da ciência”, disse o director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular.

O cientista falou na segunda parte da conferência, sobre O futuro da política científica, onde também discursaram Maria Mota, especialista em malária e Prémio Pessoa 2013, Carlos Fiolhais, físico e professor da Universidade de Coimbra, e Luís Portela, presidente da empresa Bial. Para o presidente da Bial, é preciso “apostar na mudança de paradigma, atrair doutores e mestres para as empresas”.

Antes, Miguel Seabra tinha admitido que apesar de o Ministério da Ciência querer apostar na ciência fundamental, já que “não se pode secar a nascente”, Bruxelas quer financiar a ciência aplicada. Na sua apresentação, Maria Mota aprofundou esta ideia. “Politicamente, a União Europeia quer financiar algo que é comum a todos os países. Cada país tem de ter um financiamento base”, disse a investigadora do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, referindo-se à investigação fundamental. “É possível colocar o financiamento certo na produção de conhecimento? Não com o orçamento que temos agora. Só será possível se nos organizarmos.”

Uma das exigências mais ouvidas na plateia foi o fim do trabalho precário no sistema científico, onde tanto investigadores doutorados como técnicos continuam a viver de bolsas. “É necessário profissionalizar a carreira de investigador”, disse João Lavinha, antigo director do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Já João Lopes, da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), defendeu que “o futuro não se constrói com a ciência precária, os bolseiros são trabalhadores sem contratos de trabalho”. Sofia Roque, da associação Precários Inflexíveis, referiu o inquérito feito pelos PI à comunidade científica, onde 77,8% dos investigadores disseram nunca ter tido um contrato de trabalho.

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