Portugal e Espanha vão juntos ao mar

A parte portuguesa da missão será a sudoeste da Madeira, para obter aí mais dados que fortaleçam a proposta de extensão da plataforma continental.

Foto
O veículo submarino Luso não tem tripulantes, sendo operado à distância DR

Rivais seculares, com o mar no centro de muitas das contendas, ou não tivesse até havido o Tratado de Tordesilhas que dividiu o Atlântico entre os dois países em 1494, Portugal e Espanha vão agora juntos ao mar numa campanha ao mais alto nível. Esta segunda-feira, o navio oceanográfico espanhol Sarmiento de Gamboa partiu de Vigo, na Galiza, e a bordo, além de cientistas de ambos os países, está o veículo submarino Luso.

Espanha contribui assim com o recém-construído Sarmiento de Gamboa, lançado à água em 2006 e que pertence ao Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) espanhol, bem como com os equipamentos científicos a bordo. E Portugal cede o Luso, veículo da Estrutura de Missão para Extensão da Plataforma Continental (EMEPC) que mergulha até 6000 metros de profundidade, uma capacidade que não existe em Espanha.

Esta partilha de meios científicos entre os dois países em tempos de crise resultou de um protocolo assinado especificamente para esta missão entre a EMEPC (tutelada pelo Ministério da Agricultura e do Mar português) e o Instituto Geológico e Mineiro de Espanha (tutelado pelo Ministério da Economia e Competitividade espanhol, do qual também depende o CSIC).

Até 13 de Abril, a missão vai ao golfo de Cádis, às Canárias e à Madeira. O Luso, que é comandado à distância através de um cabo que o liga ao navio onde se encontre, vai captar imagens de alta definição dos fundos marinhos profundos, informa um comunicado do ministério português.

A parte científica da missão ao golfo de Cádis e às Canárias é espanhola. Mas o veículo Luso verá o que se passa lá em baixo, obtendo, além de imagens de alta definição, amostras de rochas e sedimentos que serão recolhidos com seus braços robóticos. Comprado em 2008, por três milhões de euros, é a primeira vez que o Luso não mergulha a partir do navio Almirante Gago Coutinho, da Marinha portuguesa.

Enquanto nas Canárias os cientistas espanhóis vão investigar emanações hidrotermais, no golfo de Cádis os seus olhares estarão voltados para os vulcões de lama, onde já se identificaram cerca de 60 vulcões, alguns a mais de 4000 metros de profundidade (aliás, têm sido muito estudados por cientistas portugueses noutras missões).

Estes vulcões expelem materiais argilosos, muitas vezes carregados de gases vindos do interior da Terra, essencialmente metano, que ficam aprisionados nas moléculas de água congelada nos sedimentos. Hidratos de metano é o nome dessa combinação de metano e outros gases presos nos cristais de gelo.

Como no golfo de Cádis as placas tectónicas africana e eurasiática estão a colidir, a sua compressão provoca a ascensão até à superfície do fundo do mar sedimentos argilosos existentes em profundidade, trazendo também gases. Ora os elementos químicos trazidos pelos fluidos que escapam no fundo do mar são usados por uma série de microrganismos, que extraem deles nutrientes. Em vez da fotossíntese, em que a luz solar é usada para obter energia, é a síntese de elementos químicos que está na base da cadeia alimentar das comunidades biológicas em redor dos vulcões de lama.

Fortalecer a proposta da plataforma continental

Mas é a sudoeste da Madeira, a 150 milhas náuticas da ilha, que os oito cientistas portugueses a bordo do Sarmiento de Gamboa concentrarão mais as atenções. O objectivo é obter informação sobre as camadas iniciais dos sedimentos no fundo do mar, situados a cerca de 4500 metros de profundidade. Através de um aparelho acústico a bordo, será possível determinar a estrutura e a composição das camadas iniciais dos depósitos sedimentares.

Ter uma noção clara das primeiras camadas de sedimentos naquela zona a sudoeste da Madeira é importante para enriquecer os dados da proposta de extensão da plataforma continental portuguesa, que será discutida nas Nações Unidas, onde foi entregue em 2009. A proposta sairá fortalecida se os dados corroborarem que esses sedimentos são provenientes de fluxos de depósitos vindos da ilha da Madeira, mostrando que há uma continuidade geológica que se estende até aí – o que permitirá então a Portugal reivindicar a extensão da sua plataforma continental, para ter jurisdição sobre o solo e subsolo do mar nessa zona.

Ironia: ainda no Verão passado, ao nível dos ministérios dos Negócios Estrangeiros dos dois países, foi reavivada a polémica luso-espanhola à volta da indefinição das fronteiras marítimas em redor das ilhas Selvagens, no arquipélago da Madeira. Alheios a essa polémica no plano mais diplomático, os cientistas dos dois países avançaram para esta colaboração de meios, que pode abrir a porta a mais missões oceanográficas.

Sugerir correcção
Comentar