Por fim, ela e ele vão encontrar-se no espaço

Chegou o momento que muitos esperavam: a sonda Roseta alcança esta quarta-feira um cometa que viaja agora entre Júpiter e Marte.

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O núcleo do cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko captado pela sonda Roseta a 300 quilómetros de distância, a 3 de Agosto ESA
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O núcleo do cometa visto pela Roseta a 1000 quilómetros de distância, a 1 de Agosto ESA
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Ilustração artística da Roseta, com os seus painéis solares, cada um com 14 metros de comprimento AFP/ESA

Ela é uma sonda, ele um cometa. O encontro entre estes dois mundos está em vista há mais de 20 anos, incluindo dez de viagem, e irá esta quarta-feira concretizar-se, quando a sonda Roseta e o cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko ficarem finalmente a 100 quilómetros um do outro. O encontro — o primeiro bem perto de um engenho humano com uma destas bolas de gelo e poeiras do início do sistema solar — dar-se-á muito longe de todos nós, ou não estivessem ambos a cerca de 540 milhões de quilómetros do Sol, numa órbita entre Júpiter e Marte. Depois, ela procurará saber tudo sobre ele até Novembro, altura de outro encontro inédito: um engenho mais pequeno, a bordo da Roseta, irá abandoná-la para pousar no núcleo do cometa.

Para não perder o encontro desta quarta-feira, a partir das 9h de Lisboa a Agência Espacial Europeia (ESA) irá transmitir tudo pela Internet aqui ou aqui, com palestras de cientistas e de outros responsáveis por esta missão espacial da Europa. E, claro, as imagens da aproximação da sonda ao núcleo do cometa, bem como as operações ligadas à missão, no Centro Europeu de Operações Espaciais da ESA, em Darmstadt, Alemanha.

 Por cá, o acontecimento pode ser acompanhado no Centro Ciência Viva de Constância e no Planetário Calouste Gulbenkian Ciência Viva, em Lisboa. Em Constância, a astrofísica Cátia Cardoso, coordenadora de um programa educativo entre a agência Ciência Viva e a ESA, falará da missão Roseta, enquanto essa tarefa no planetário de Lisboa estará a cargo do investigador Pedro Machado, do Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa. “É uma missão única, visto que nunca nos aproximámos tanto de um cometa. Vamos aprender imenso sobre a física dos cometas e a formação do sistema solar”, antevê Cátia Cardoso.

Por volta das 10h, os dois locais portugueses farão ligações em directo ao centro de operações da ESA na Alemanha, e espera-se que, pouco depois, surjam nos ecrãs as primeiras imagens de alta resolução do núcleo do cometa.

É certo que não é a primeira vez que uma sonda observa de perto um cometa. A Giotto, da também da ESA, já nos tinha deslumbrado em 1986, quando ficou a 605 quilómetros do núcleo do famoso Halley e revelou a sua forma abatatada.

Agora, a Roseta já está mais perto do 67P/Churiumov-Gerasimenko, ou 67P como abreviadamente também é designado este cometa descoberto em 1969, do que a Giotto alguma vez esteve do Halley. Imagens da Roseta de 3 de Agosto revelavam que o núcleo irregular do 67P, agora já nítido e não uma mancha esborratada, estava a 300 quilómetros da sonda.

Na aproximação, a Roseta foi também fazendo medições da temperatura média do núcleo do cometa. É de 70 graus Celsius negativos, o que já permitiu saber que não está suficientemente frio para o cometa estar coberto de gelo e deve assim ter uma crosta escura poeirenta. “Isto não exclui a presença de manchas de gelo”, dizia há dias o cientista principal da câmara que fez as medições, Fabrizio Capaccioni, do Instituto Nacional de Astrofísica de Roma. E acrescentava que não tardaríamos a ter mapas pormenorizados das temperaturas.

Para trás, ficou uma viagem de dez anos desde o lançamento no espaço a 2 de Março de 2004. Mas as missões espaciais começam muito antes e esta não é excepção: a ESA aprovou-a em 1993. Este sonho tem pois mais de 20 anos.

À boleia pelo espaço
A Roseta vai agora iniciar uma contemplação científica a 100 quilómetros do seu objecto de estudo, reduzindo mais tarde a distância para cerca de 25 quilómetros. O manancial de informação obtido permitirá avançar para a segunda parte da missão, ainda mais ambiciosa: escolher o melhor local para que o módulo File, transportado na Roseta, pouse no cometa em Novembro. Imediatamente antes dessa operação nunca antes realizada na história da exploração espacial, a Roseta e o 67P estarão separados por uns meros 2,5 quilómetros. Assim que os três pés metálicos do File assentarem no cometa, serão disparados arpões que o prendam ao núcleo, evitando que fuja.

Através do File, é como se todos aqui da Terra andássemos à boleia de um cometa, espaço fora. À medida que se for dirigindo para o seu ponto mais perto do Sol — a 185 milhões de quilómetros de distância, em Agosto de 2015, ficando entre Marte e a Terra —, o cometa será cada vez mais aquecido. Os gases em torno do núcleo e a cauda característica que associamos aos cometas ganharão mais expressão. A Roseta e o File poderão estudar a composição do cometa e como se comporta com o aquecimento solar, sendo instrumentos-chave para a leitura destes restos da formação do sistema solar preservados no tempo.

“Este cometa anda meio escondido, demora cerca de seis anos e meio a dar a volta ao Sol, e o principal objectivo é ter mais conhecimentos científicos acerca da sua constituição”, referiu à agência Lusa o astrónomo Máximo Ferreira, director do Centro Ciência Viva de Constância. “Sabendo mais sobre este corpo celeste, saberemos também mais sobre os outros cometas.”

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