Para nos lembrarmos de emoções felizes… sorrimos

Pela primeira vez, um estudo avaliou a importância das expressões faciais para nos ajudarem a recordar palavras associadas à felicidade, ao medo ou ao nojo. Apesar de estas expressões não serem fundamentais para nos lembrarmos das emoções, podem tornar as suas memórias mais fáceis, rápidas e rigorosas.

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Os sorrisos nascem de emoções positivas, mas têm outras funções Pedro Cunha (arquivo)

Sorrir, franzir o sobrolho, ter olhos tristes ou uma cara de medo são expressões faciais que nascem das emoções que sentimos. Muitas vezes, estas expressões ajudam-nos a encetar um diálogo com um interlocutor. Um sorriso pode ser um convite para algo, pode ser uma aprovação ao que nos dizem, pode ser uma demonstração de alegria. Um sorriso pode até esconder uma mentira ou um engodo. Mas nos últimos anos, os investigadores começaram a compreender que as expressões faciais também têm outras funções.

Alguns estudos mostraram que quando se segura um lápis com os dentes de um dos lados da boca, impedindo assim a cara de fazer expressões, é mais difícil reconhecer palavras que estão associadas a emoções ou reconhecer as expressões faciais dos outros. Estas experiências indicam que as nossas expressões faciais nos ajudam a identificar as próprias emoções, quer seja numa palavra ou numa atitude de terceiros. Quase que se poderia exagerar e dizer: “Sorria para reconhecer a felicidade.”

Agora, uma equipa de investigadores deu mais um passo para compreender o grau de influência das expressões faciais nos processos mentais relacionados com as emoções. Desta vez, os cientistas foram ver se os movimentos que fazemos com a cara têm importância nas memórias que estão ligadas às emoções. E descobriram que é mais fácil lembrar palavras relacionadas com a felicidade ou o medo quando podemos fazer expressões faciais do que quando temos a cara paralisada. O estudo foi publicado recentemente na revista Acta Psychologica.

“Não acho que precisemos necessariamente de expressões faciais para compreendermos e para nos lembrarmos de informação emocional. As pessoas que estão completamente paralisadas continuam a sentir emoções e a lembrarem-se delas”, começa por explicar ao PÚBLICO Jenny-Charlotte Baumeister, uma das autoras do estudo feito por uma equipa do Laboratório de Neurociências e Sociedade da Escola Superior Internacional de Estudos Avançados, em Trieste, na Itália. “Mas acho que as expressões faciais são ferramentas adicionais que tornam [a recordação de informação emocional] mais fácil, mais rápida e mais rigorosa”, diz a investigadora alemã, de 30 anos, que está a terminar o doutoramento.

No passado, os cientistas já tinham verificado que as expressões faciais que surgem quando recebemos estímulos positivos ou negativos vindos de pinturas, músicas ou palavras activam o sistema límbico e a amígdala, duas estruturas do cérebro importantes para sentir e processar as emoções. Por outro lado, outros estudos mostraram que palavras associadas a emoções, como “pânico” ou “pôr do Sol”, são mais facilmente lembradas do que palavras neutras, como “programa” ou “circuito”.

Mas nunca ninguém tinha andado à procura de uma relação entre a memória das emoções e as expressões faciais. “A combinação das reacções emocionais do corpo e a memória é extremamente interessante, já que faz a ligação de uma lacuna existente entre diferentes linhas de investigação para explicar a cognição e o comportamento humano”, defende Jenny-Charlotte Baumeister, referindo-se, por um lado, à memória e ao conhecimento das palavras e, por outro, ao estudo das reacções humanas.

Uma máscara de algas
Para avaliar esta ligação, a equipa testou cerca de 80 jovens italianos de ambos os sexos que ficaram divididos em quatro grupos. O teste, independentemente do grupo em que um participante calhava, incluía duas fases.

Numa primeira fase, cada participante via uma série de 72 palavras, que incluíam 12 palavras associadas à emoção de felicidade (como “carícia” e “vitória”), 12 palavras associadas ao nojo (como “borbulha” e “disenteria”), 12 palavras associadas ao medo (como “mal” e “abismo”) e 36 palavras neutras (como “síntese” e “atributo”). Cada participante tinha ainda de avaliar se cada palavra estava ligada a uma emoção, sem ter de dizer que emoção era, ou se era neutra.

Uma hora depois de terminar a primeira fase, o participante passava à segunda fase da experiência. De novo, via uma nova série de 72 palavras, em que 36 já tinham surgido na lista de palavras da primeira fase, mas as outras 36 eram novas. Desta vez, tinha de dizer se uma palavra era “velha”, por ter aparecido na primeira fase, ou se era “nova”, não tendo surgido na primeira fase. Desta forma, os participantes eram obrigados a trabalhar a memória, tentando lembrar-se das palavras que já tinham visto na primeira fase da experiência.

Para os investigadores testarem a sua hipótese — que as expressões faciais ajudavam os participantes a recordarem-se durante a segunda fase da experiência se as palavras associadas a emoções já tinham surgido na primeira fase —, arranjaram uma máscara que os impedia de se fazer movimentos faciais. A máscara era feita com uma pasta de algas, que, depois de ser espalhada pela cara, solidificava passados dez minutos e impedia o movimento dos músculos da cara.

Assim, os quatro grupos de participantes foram divididos consoante tinham ou não a máscara de algas. Um grupo pôs a máscara de algas nas duas fases da experiência. Outro grupo pô-la na primeira fase, mas não na segunda. O terceiro grupo usou a máscara de algas na segunda fase da experiência mas não na primeira. E o último grupo nunca pôs a máscara de algas, mas uma outra máscara — era o grupo de controlo.

Quando um participante não tinha a máscara de algas, recebia à mesma outra máscara que, apesar de permitir os movimentos faciais, criava uma sensação semelhante à das pessoas com a máscara de algas. Os participantes só foram informados do verdadeiro objectivo da experiência após finalizarem as duas fases dos testes.

A cara ajuda o cérebro
Os resultados mostram que os participantes com a máscara de algas, que não deixava mexer os músculos da cara, se lembraram menos de palavras associadas a emoções, em comparação com os participantes que tinham a outra máscara. Por outro lado, as palavras neutras eram tão lembradas entre os participantes com a máscara de algas como no grupo de controlo.

Além disso, os participantes tinham mais dificuldade de se lembrarem das palavras associadas às emoções quando tinham posto a máscara com algas na segunda fase da experiência, independentemente se tinham ou não essa máscara na primeira fase. Isto significa que as expressões faciais eram mais importantes no momento de recordar as palavras, na segunda fase da experiência, do que no momento de as memorizar, na primeira fase.

“Os nossos resultados mostram, pela primeira vez, que bloquear os músculos faciais também interfere com a memória da informação emocional”, escrevem os autores no artigo científico.

Finalmente, entre as três emoções, apenas a memória para palavras ligadas à felicidade e ao medo é que foi muito afectada ao impedir-se o movimento facial. “As palavras associadas ao nojo mostram uma diminuição na memorização quando há bloqueio facial, mas essa diminuição não foi significativa. Isto pode ser explicado pelo facto de a lista de palavras associadas ao nojo incluir palavras que são tabu como ‘ânus’ ou ‘chichi’”, defendem os autores do artigo, adiantando que as palavras que são tabu poderão ser mais facilmente memorizadas e depois recordadas. O que tornará as expressões da cara menos importantes para as recordar.

Para Jenny-Charlotte Baumeister, a função das expressões faciais para ir buscar memórias associadas a emoções poderá ser mais importante em situações pouco marcantes. Enquanto num assalto à mão armada, mesmo se tivermos a cara bloqueada com uma máscara de algas, a memória do medo ficará gravada. Em situações mais normais, o cérebro poderá precisar da informação vinda das expressões faciais.

“Uma situação dessas poderá ser quando, numa experiência em laboratório, se está a pôr palavras em categorias e a recordar palavras associadas a emoções”, exemplifica a investigadora. “Esta é uma situação pouco marcante e o nosso cérebro pode ter dificuldade em associar a palavra ‘borboleta’ a uma emoção. Numa situação como esta, se o cérebro recebe o feedback de um sorriso, é mais provável compreender e lembrar o significado emocional associado a um estímulo.”

A equipa verificou ainda se as palavras associadas às emoções eram mais recordadas do que as palavras neutras. Para este teste utilizou apenas os participantes que não tinham máscara de algas (o grupo de controlo) e que, portanto, podiam fazer as expressões faciais que quisessem. “Houve tendência para lembrar melhor as palavras associadas às emoções em comparação com as palavras neutras”, lê-se no artigo. Ou seja, os participantes lembravam-se menos das palavras sem carga emocional.

No entanto, estes resultados não foram iguais para as três emoções, ainda no grupo de controlo: enquanto a diferença foi estatisticamente significativa para as palavras associadas à felicidade e ao nojo, lembrando-se os participantes melhor delas, a diferença já não teve significado estatístico para as do medo.

Isto pode parecer paradoxal quando se olha para os resultados deste estudo nos participantes com máscara que os impedia de fazer expressões faciais: lembravam-se menos de palavras associadas ao medo do que os participantes que podiam fazer essas expressões à vontade. O que corrobora como as expressões do rosto são importantes para nos recordarmos destas emoções negativas.

“Apesar de nos lembrarmos tanto das palavras associadas ao medo como das palavras neutras, isso não significa que os processos associados ao desempenho da memória sejam iguais nos dois casos”, defende Jenny-Charlotte Baumeister, adiantando que factores como a imaginação ou a apresentação concreta das coisas a que uma palavra se refere podem facilitar a memória. “Isto quer dizer que as palavras associadas ao medo podem ser lembradas devido ao seu valor emocional, mas como são bastante abstractas e difíceis de serem ‘apreendidas’ num ambiente laboratorial neutro, a sua memória não aumenta tanto”, diz ainda a investigadora, alertando assim para um possível enviesamento dos resultados neste aspecto.

Para a cientista, estes novos dados poderão vir a ajudar pessoas com problemas como o autismo, que têm mais dificuldade em fazer expressões faciais em resposta a estímulos emocionais.

Por tudo isto, Jenny-Charlotte Baumeister defende que seria importante tentar compreender quais são os mecanismos envolvidos na relação entre a memória e as expressões faciais: “Há investigações científicas que sugerem que a amígdala pode ser afectada pela ausência do feedback facial [as expressões faciais]. Mas ainda se sabe pouco sobre esta relação.”

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