Os neandertais enterravam intencionalmente os seus mortos, afirmam cientistas

O debate dura há décadas: eram os neandertais suficientemente sofisticados, do ponto de vista simbólico, para sepultar os seus congéneres? Os mais recentes resultados indicam que sim.

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Esqueleto de neandertal descoberto em 1908 em La Chapelle-aux-Saints, França DR

Não é a primeira vez que os neandertais, os nossos “primos” europeus hoje extintos, nos surpreendem ao revelar que não eram assim tão primitivos como pensávamos. O mais recente sinal de modernidade deste grupo de humanos vem agora da reavaliação, por uma equipa internacional de arqueólogos, de uma escavação realizada em França, há mais de um século, numa gruta habitada por neandertais há 50 mil anos.

Os seus resultados, publicados online, esta segunda-feira, pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences, confirmam, segundo eles, que os neandertais possuíam as capacidades cognitivas e simbólicas necessárias para sepultar intencionalmente os seus mortos.

Em 1908, três padres-arqueólogos franceses descobriram, na gruta Bouffia Bonneval, perto de La Chapelle-aux-Saints, no sudoeste de França, um esqueleto quase completo de neandertal num buraco cavado na rocha. Os descobridores, os irmãos Amédée, Jean e Paul Buyssonie, emitiram então, pela primeira vez, a hipótese de que, antes da chegada dos primeiros homens modernos (nós) à Europa Ocidental, os neandertais já enterravam os seus mortos.

Porém, escrevem agora no seu artigo William Rendu, do Centro Nacional de Investigação Científica francês e da Universidade de Nova Iorque (EUA), e colegas, essa hipótese tem sido criticada nas últimas décadas por especialistas que argumentam que não se sabe ao certo quais foram os procedimentos utilizados pelos descobridores originais do esqueleto, o que torna a difícil tecer ilações sobre a natureza exacta do achado.

A partir de 1999, a equipa de Rendu estendeu o âmbito das escavações originais – trabalho que ficou concluído em 2012 – e reexaminou também o esqueleto inicial e o local onde fora descoberto em inícios do século XX.

E em particular, escrevem ainda os investigadores, embora a cavidade onde aquele esqueleto estava deitado possa não ter sido totalmente de fabrico humano, é muito improvável que se trate de uma cavidade totalmente natural: terá sido, argumentam, “pelo menos parcialmente alterada” para receber restos mortais humanos.

Os cientistas também desenterraram uma série de outros fragmentos fósseis de neandertal, parte dos quais pertencem ao primeiro esqueleto e os outros a duas crianças e a um segundo adulto. Mas foram sobretudo os ossos de veado e de bisonte, também descobertos por eles no local, que lhes forneceram um argumento de peso para afirmar que o enterro do homem de La Chapelle-aux-Saints (é assim que o esqueleto fóssil ficou conhecido) terá mesmo sido intencional.

Acontece que, comparado com os ossos dos animais – que apresentam marcas de dentes, provavelmente deixadas por carnívoros que se terão alimentado das carcaças –, os ossos do esqueleto de neandertal estão muito bem conservados. Ora, isso sugere fortemente, segundo os autores, que o corpo encontrado em 1908 na gruta Bouffia Bonneval foi rapidamente coberto. “A natureza relativamente prístina destes restos com 50 mil anos implica que foram cobertos pouco depois da morte, sustentando fortemente a nossa conclusão de que os neandertais, nesta parte da Europa, faziam por enterrar os seus mortos”, diz Rendu em comunicado da Universidade de Nova Iorque.

O que não significa necessariamente que os neandertais tinham ritos fúnebres. “Não sabemos se esta prática fazia parte de um ritual ou se era meramente pragmática”, salienta Rendu. “Mas é um facto que esta descoberta reduz a distância comportamental entre eles e nós.”
 
 
 

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