Previstas por Einstein há 100 anos, ondas gravitacionais detectadas pela primeira vez

A existência destas ondas era a derradeira previsão ainda por confirmar da Teoria da Relatividade Geral. Agora, dois detectores muito especiais nos EUA apanharam uma a passar pela Terra.

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Representação artística de dois buracos negros a girar em torno um do outro NASA

“Detectámos ondas gravitacionais. Conseguimos!” Foi com estas palavras e um grande sorriso que David Reitze, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), anunciou esta quinta-feira nos EUA, numa conferência transmitida via Web para o mundo inteiro, que a colaboração científica internacional LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) tinha, pela primeira vez, detectado directamente estas ondas, teorizadas por Albert Einstein há 100 anos mas até agora nunca confirmadas pela observação. Os resultados foram simultaneamente publicados online na revista Physical Review Letters.

As ondas gravitacionais são produzidas por eventos astronómicos cataclísmicos. E tal como a queda de um seixo num lago produz ondinhas que deformam a superfície da água, elas deformam o “tecido” do espaço-tempo ao propagarem-se pelo Universo à velocidade da luz. Foi essa deformação, que nos resultados que acabam de ser anunciados foi da ordem do milésimo do diâmetro de um protão – o que dá uma ideia da precisão exigida aos instrumentos – que foi agora detectada pelo LIGO, situado nos EUA.

As ondas em causa foram emitidas pela colisão de dois buracos negros com cerca de 30 vezes a massa do nosso Sol, que ao girar em torno um do outro, foram descaindo e girando cada vez mais depressa até se fundirem e formarem um único buraco negro. E esse violento encontro final deu origem a um novo – e único – buraco negro gerando o “disparo” de ondas gravitacionais.

O evento aconteceu há mais de mil milhões de anos, mas como a luz viaja a uma velocidade finita, só há poucos meses é que atingiu os detectores do LIGO – que estavam a postos para receber o seu eco.

Construções gémeas
O LIGO, que começou a ser projectado em 1992, é na realidade composto por duas construções gémeas situadas em locais muito distantes – uma em Livingston (Louisiana) e a outra em Hanford (Estado de Washington). Cada uma delas é uma estrutura formada por dois “braços” perpendiculares com quatro quilómetros de comprimento cada.

Como explica a Colaboração LIGO no seu site (em www.ligo.org), dentro de cada braço é injectado um feixe de luz. Emitida por um único laser, a luz começa por ser “dividida” em duas metades no início do seu percurso, na junção dos dois braços. Cada um dos “subfeixes” de luz resultantes é então reflectido entre espelhos colocados nas extremidades dos braços, o que permite medir com uma precisão extrema o comprimento do braço correspondente. Por último, no fim de idas e vindas, a luz do subfeixe de cada braço regressa à intersecção dos braços, interferindo com a luz do subfeixe do outro braço.

Graças a mil e um “truques” técnicos foi possível tornar os espelhos quase invulneráveis a todas as vibrações e “ruídos” ambientais que se possa imaginar, explicou Rainer Weiss, do MIT, um dos co-fundadores do LIGO e dos principais construtores destes componentes high-tech dos detectores, presente na conferência. Para apenas “ouvirem” as deformações do espaço-tempo devidas às ondas gravitacionais.

O que acontece, se tudo correr bem? Enquanto não passar por lá nenhuma onda gravitacional… não acontece nada, porque o comprimento dos dois braços de cada detector medido por cada subfeixe, permanece absolutamente igual e constante. Mas basta uma onda gravitacional deformar o espaço-tempo para a situação mudar radicalmente. Isto porque, como a onda comprime o espaço-tempo numa direcção e o estica numa direcção perpendicular, um dos braços do detector fica momentaneamente mais curto e o outro mais longo – e as distâncias percorridas pelos dos dois subfeixes dentro dos braços já não coincidem. É essa discrepância, essa deformação do espaço-tempo devida à passagem da onda gravitacional que é então detectada… se tudo correr como previsto.

E tudo correu bem
Precisamente no dia 14 de Setembro de 2015, o detector LIGO de Livingston produziu um sinal. E durante os meses que se seguiram, os cientistas do projecto – que inclui actualmente um milhar de investigadores de 16 países – analisaram esse minúsculo “soluço”, que, embora visível à vista desarmada, sobressaía por um triz do ruído de fundo habitualmente detectado pelos seus instrumentos (há sempre um ruído de fundo, explicaram). Comparando-o com simulações feitas em supercomputadores a partir das equações de Einstein, confirmaram que o sinal era aquilo que esperavam.

Para Gabriela González, da Universidade Estadual da Louisiana e porta-voz do LIGO, a prova talvez mais convincente de que se tratava efectivamente da detecção directa de uma onda gravitacional foi que “sete milissegundos mais tarde, o mesmo sinal foi captado no LIGO de Hanford!”, exclamou. O espaço-tempo foi deformado, durante um brevíssimo instante (uma fracção de segundo) pelo eco de um evento cataclísmico que acontecera um dia, algures no Universo, que se propagou de um sítio para o outro.

O que foi esse evento, quando e onde aconteceu? Por incrível que pareça, a forma do sinal detectado permitiu aos cientistas obter estas informações, pelo menos aproximadamente. Foi a fusão de dois buracos negros – com respectivamente 29 e 36 massas solares – ocorrida há uns 1300 milhões de anos, que gerou esta “violenta tempestade no espaço-tempo”, nas palavras de Kip Thorne (também co-fundador do LIGO quando trabalhava no Caltech aquele mesmo conhecido físico que criou os já célebres buracos negros do filme Interstellar), que também esteve presente na conferência.

O resultado daquele antigo cataclismo foi um buraco negro com 62 massas solares – ou seja, menos do que a soma da massa dos dois buracos negros iniciais. “Três massas solares foram emitidas em ondas gravitacionais”, salientou Gabriela González.

Quanto à localização do evento, não teria sido possível com apenas um detector. Mas havendo dois… “Sabemos que foi no céu austral, mais ou menos na direcção da Nuvem de Magalhães”, disse ainda a cientista.   

Buracos negros binários existem
O resultado vem ainda demonstrar, pela primeira vez, a existência de buracos negros “binários” – ou seja, precisamente, de sistemas de dois buracos negros que, numa espiral decrescente e cada vez mais vertiginosa, acabam por cair um dentro do outro. Como fez notar David Reitze (que é director executivo do Laboratório do LIGO), “o sinal era exactamente aquilo que seria de esperar com dois buracos negros a rodopiar em direcção um ao outro e a juntar-se num só”.

“Agora, sabemos que os buracos negros binários existem e temos detectores que nos vão permitir ouvi-los por todo o Universo!”, acrescentou Gabriela González.

De facto, para estes e muitos outros especialistas, a detecção das ondas gravitacionais “abre uma nova janela de observação do Universo”. Tal como os radiotelescópios estenderam as capacidades dos telescópios ópticos ao permitirem detectar objectos e fenómenos não visíveis em luz normal, a detecção destas ondas, que os cientistas esperam se torne moeda corrente num futuro relativamente próximo – em particular com a criação de uma rede mundial de detectores do mesmo tipo (para já, quase prontos na Itália e no Japão) –, abre o caminho a toda uma “astronomia das ondas gravitacionais”, que deverá permitir “ver” e estudar como nunca não apenas colisões de buracos negros, mas também de estrelas de neutrões e talvez até a misteriosa matéria escura.

Rainer Weiss resumiu bem o futuro que pensam ter pela frente: “As ondas gravitacionais são tão diferentes das ondas electromagnéticas que podemos ter a certeza de que vamos ter grandes surpresas.”

Vítor Cardoso: Este é o acontecimento do último século em ciência"

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