O TAC do canto da sereia

A partir de 18 de Dezembro, o Conselho de Ministros das Pescas da União Europeia reúne-se para decidir os Totais Admissíveis de Captura dos stocks das principais espécies pescadas para 2013. Nos últimos dez anos, as decisões não só têm sido uma clara desautorização dos cientistas, mas um profundo desrespeito pelos contribuintes que pagam caro a obtenção dos dados sobre os stocks.

A biologia pesqueira – a ciência que estuda quanto peixe existe e quanto pode ser pescado sustentadamente – está longe de ser uma ciência sexy. Não me recordo de nenhum aluno espevitado do ensino secundário dizer que quando fosse maior gostaria de estudar modelos matemáticos que simulassem os stocks de sardinha no Atlântico nordeste.

Ainda assim, é um dos ramos aplicados da biologia mais fácil de entender: estudam-se amostras da população de uma determinada espécie, com dados recolhidos através da pesca comercial e de campanhas próprias, comparam-se entre si e ao longo dos anos, tentando através da análise da evolução do stock prever com o mínimo de incerteza o seu valor em peso, fazendo assim as recomendações aos decisores sobre o Total Admissível de Captura (TAC) a atribuir sem que este seja posto em risco. A meteorologia faz mais ou menos o mesmo, alertando-nos directamente através de um código de cores de fácil compreensão, ao mesmo tempo que a protecção civil é avisada para se preparar, se for o caso. Se as autoridades competentes decidem ignorar os avisos e se acontece alguma desgraça, cá estamos nós todos para protestar e pedir cabeças.

Pouco antes do Natal reúne-se anualmente o Conselho de Ministros das Pescas da União Europeia com o intuito de decidir os TAC dos stocks das principais espécies pescadas no ano seguinte. Têm na mão as propostas dos cientistas, e nos últimos dez anos têm decidido estabelecer o valor desses TAC em média 41% acima dos valores limite para a sustentabilidade dos recursos em questão. Uma boa prenda no sapatinho dos vários profissionais ligados à indústria da pesca, mas certamente um presente envenenado a muito curto prazo, quando as capturas não derem para o gasóleo.

Esta prática da União Europeia é não só uma clara desautorização dos cientistas, mas um profundo desrespeito pelos contribuintes que pagam muito caro a obtenção destes dados. Se os dados científicos de apoio à decisão são apenas mais uns, uma espécie de aconchego de luxo, e menos importantes do que a força política de um país ou de uma classe social, então talvez ficássemos todos mais bem servidos com a substituição das caríssimas horas de navio de investigação por umas bem mais acessíveis bolas de cristal topo de gama que ajudassem os melhores videntes a prever a quantidade dos recursos disponíveis.

Como humanidade fomos à Lua e iremos a Marte confiando na melhor ciência que temos disponível em cada época. Como sabemos, a decisão de ir à Lua foi política. A de como ir à Lua não. O seu a seu dono.

Voltando à pesca, existe na União Europeia uma divisão simplista dos Estados-membros entre “amigos dos peixes” e “amigos dos pescadores” face às políticas a adoptar no sector, situando-se, claro está, o nosso país entre os segundos. Tenho pena, pois no limite continuarão a existir peixes sem pescadores e o inverso é falso.

Biólogo, professor auxiliar na Universidade Lusófona em Lisboa 
 
 

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