O homem que foi uma cabra e toda a ciência improvável dos IgNobel

Como aliviar comichões? Como investigar os mentirosos? Que personalidades têm as rochas quando são postas à venda? Os prémios IgNobel foram atribuídos.

Thomas Thwaits na cerimónia dos prémios IgNobel
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Thomas Thwaits na cerimónia dos prémios IgNobel Brian Snyder /Reuters
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O público atirou aviões de papel para o palco durante a cerimónia Brian Snyder /Reuters
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Gary Dryfoos na cerimónia dos prémios IgNobel Brian Snyder /Reuters
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Atsugi Higashiyama e Rich Roberts na cerimónia dos prémios IgNobel Brian Snyder /Reuters
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Rich Roberts, Dudley Herschbach e Eric Maskin jogaram ao jogo do galo contra uma equipa de patinagem Brian Snyder /Reuters
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Marc Abrahams foi o mestre da cerimónia dos prémios IgNobel Brian Snyder /Reuters

Há cerca de um ano, Thomas Thwaits explicava à agência AFP a origem da investigação que tinha feito. “Antes de começar este projecto estava em baixo, deprimido, um bocado chateado com todo o tipo de complexidades que surgem de se ser humano, como tentar ganhar dinheiro. Não tinha trabalho, estava a viver com o meu pai…”, disse, relembrando com expressividade a sua vida antiga. Na altura, o “designer” britânico passeava o cão da sobrinha quando teve uma revelação: “Ele [o cão] estava simplesmente alegre, era feliz, o mundo pertencia-lhe. Eu pensei ‘quero ser um animal, quero tirar umas férias de ser um humano’.”

Daí até passar a uma cabra foi um passo. Thomas Thwaits construiu extensões para aplicar aos braços e às pernas, que serviram para caminhar como uma cabra, e foi para as montanhas. A experiência resultou no livro Homem-cabra: Como Tirei Férias de Ser um Humano, onde conta a sua viagem interior, que passou pela engenharia, o design, a psicologia, e em que entrevista neurocientistas, biólogos que estudam o comportamento dos animais e pastores.

Agora, pelo seu trabalho, Thomas Thwaits foi galardoado com o IgNobel da biologia, juntamente com Charles Foster, investigador da Universidade de Oxford, do Reino Unido, que experimentou ser um, aliás, vários animais: um texugo, uma lontra, um veado, uma raposa e uma ave.

Este foi um dos dez IgNobel atribuídos quinta-feira à noite, na Universidade de Harvard, em Cambridge, EUA, na 26.ª cerimónia dos IgNobel – que todos os anos acontece sempre pela primeira vez, explica o comunicado sobre os prémios – e que abre caminho para os prémios Nobel, no início do Outubro. Como sempre sabemos mas todos os anos repetimos: os IgNobel homenageiam descobertas que primeiro nos fazem rir para depois nos porem a pensar.

A sustentar cada IgNobel, há um ou mais artigos científicos, cujos títulos muitas vezes revelam o objectivo do estudo e a razão de serem premiados. Outros são mais enigmáticos, como é o caso do título do artigo referente ao IgNobel da psicologia. Do Pinóquio Júnior ao Pinóquio Sénior: uma Investigação Sobre o Logro ao Longo da Vida, de Evelyne Debey, da Universidade de Ghent, na Bélgica, e de mais colegas de vários países, foi um trabalho publicado na revista Acta Psychologica, que abraça um tema importante que não faz rir ninguém: a mentira. Mas segundo o comunicado dos prémios, a equipa ganhou o prémio por “perguntar a mil mentirosos com que frequência é que mentiam, e depois por ter de decidir se acreditava ou não nas respostas” dos entrevistados.

A investigação da equipa de Gordon Pennycook, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, está no mesmo campo mas recebeu o IgNobel da paz. On the Reception and Detection of Pseudo-Profound Bullshit (“Sobre a recepção e a detecção de tretas pseudo-profundas”), o artigo da equipa publicado na revista Judgement and Decision Making, tenta perceber quem é que acredita nas “tretas pseudo-profundas, que consistem em asserções aparentemente impressionantes, apresentadas como verdadeiras e cheias de significado, mas que na verdade são vazias” de significado, explica o artigo. Um exemplo deste tipo de frases? “A atenção e a intenção são as mecânicas da manifestação”, do médico-guru Deepak Chopra, exemplificam os autores.

Já o trabalho de Ahmed Shafik, investigador do Egipto que já morreu, mas cuja investigação leva agora o IgNobel da Reprodução, é mais terra a terra. Shafik estava interessado nos “efeitos de vestir poliéster, algodão ou calças de lã na vida sexual dos ratos” e fez experiências semelhantes em homens…

Para quem tem comichões, o IgNobel da medicina pode ajudar. A equipa de Christoph Helmchen, da Universidade de Luebeck, na Alemanha, “descobriu que quem tem uma comichão do lado esquerdo do corpo, pode aliviá-la olhando para um espelho e coçando o lado direito do corpo (e vice-versa)”, explica-se no comunicado.

Antes de seguirmos para a economia é preciso perceber o que é a personalidade de uma marca. O site Management Study Guide explica: “A personalidade das marcas é a forma como uma marca fala e se comporta. Significa dar características da personalidade humanas a uma marca para conseguir que ela alcance uma diferenciação.” O site dá exemplos. A marca de produtos de higiene Dove é “honesta, feminina e optimista”, já a Hewlett Packard, que vende impressoras, “representa o desempenho, a competência e a influência”.

Neste contexto, Mark Avis, da Universidade de Massey, na Nova Zelândia, recebeu o IgNobel da economia por avaliar que personalidade é que as pessoas sentiam que as rochas tinham quando estas estavam à venda.

O IgNobel da literatura foi atribuído a Fredrik Sjöberg, da Suécia. A obra, com o nome contido de A Armadilha de Moscas, é um “trabalho autobiográfico em três volumes sobre os prazeres de recolher moscas que estavam mortas, e moscas que não estavam mortas”, diz o comunicado.

Para o Japão, foi o IgNobel da percepção. Atsuki Higashiyama, da Universidade de Ritsumeikan, e Kohei Adachi, da Universidade de Osaca, investigaram se a realidade parece diferente quando se olha com a cabeça para baixo, entre as pernas.

Uma equipa de investigação europeia descobriu que cavalos com pêlo branco eram os que estavam mais protegidos pelos moscardos e que as libelinhas tinham uma atracção de morte em ir contra lápides pretas nos cemitérios. Por estas descobertas sobre a visão dos insectos, Gabor Horvath, da Universidade de Eötvös, na Hungria, e colegas, receberam o IgNobel da física.

Todas as equipas premiadas (não contando com o falecido Ahmed Shafik) enviaram alguém à cerimónia que teve a oportunidade de apresentar o seu trabalho em um minuto e nem mais um segundo.

Todas, menos os vencedores do IgNobel da química, atribuído à Volkswagen por “conseguir resolver o problema da emissão excessiva de poluição automóvel de uma forma automática, produzindo electromecanicamente menos emissões sempre que os carros estão a ser testados”, lê-se no comunicado. O artigo que sustenta este IgNobel? “Agência de Protecção do Ambiente da Califórnia Notifica a Volkswagen por Violações à Lei do Ar Limpo”, uma notícia dada pela própria Agência de Protecção do Ambiente dos Estados Unidos.

No fim da cerimónia, Marc Abrahams, que apresentou os prémios e é o editor da revista que produz o evento, Annals of Improbable Research, resumiu o espírito da noite: “Se não ganhou um prémio IgNobel esta noite – e especialmente se foi um dos vencedores – mais sorte para o ano.”

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