O eucalipto é grandioso e o seu genoma diz porquê

Madeira, papel, óleos essenciais ou biocombustíveis: os eucaliptos servem para tudo isso e agora a descodificação do seu ADN inteiro pode melhorar ainda mais estas árvores.

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Plantação de eucaliptos no Brasil, um dos países bastate empenhados no projecto de descodificação do genoma destas árvores Cortesia de Fibria/Capão Bonito

Amado e odiado ao mesmo tempo, o eucalipto acaba de ver o seu genoma descodificado, num projecto internacional que envolveu 80 cientistas, incluindo dois portugueses, de cinco continentes, aqueles onde estas árvores vivem actualmente depois de se terem expandido da sua terra natal, a Austrália.

Amado, ou não fosse a árvore de madeira maciça mais plantada no mundo, principalmente devido à sua madeira de boa qualidade e a um crescimento rápido. Encontra-se em plantações industriais em mais de 100 países, numa área superior a 20 milhões de hectares (área de quase duas Angolas). Em Portugal, o eucalipto ocupa um lugar de destaque na economia, uma vez que o país é o quarto maior produtor mundial de papel, contribuindo o sector do papel e do cartão para 4% do produto interno bruto. Por isso, o eucalipto é a principal ocupação florestal do território português – 812 mil hectares em 2010, estando à frente do sobreiro e do pinheiro-bravo, segundo os resultados preliminares do Inventário Florestal Nacional divulgados em 2013.

Mas também odiado, porque é invasor. Adapta-se facilmente a novos habitats, substituindo as espécies vegetais nativas e secando os solos. Uma característica que ajuda a explicar a sua propagação pelo mundo. Há mais de 700 espécies de eucaliptos, praticamente todas originárias da Austrália, à excepção de algumas de regiões vizinhas. As espécies de maior interesse económico são o Eucalyptus globulus, nas regiões temperadas, como Portugal, e o Eucalyptus grandis, nas regiões tropicais.

Foi ao Eucalyptus grandis, árvore de grande porte, que chega facilmente aos 60 metros de altura, que se dedicou o projecto internacional de descodificação do genoma do eucalipto. Os resultados foram publicados na revista Nature e os dados disponibilizados no site Phytozome.

“É a primeira espécie de eucalipto sequenciada, entre as mais de 700 espécies de Eucalyptus”, diz Jorge Paiva, um dos investigadores portugueses no projecto (o outro é Victor Carocha, seu aluno de doutoramento).

“A descodificação do genoma é um marco e uma ferramenta fundamental que permitirá conhecer melhor os genes implicados em processos-chave para estas árvores florestais. Por exemplo, a produção de madeira e de óleos essenciais e medicinais e a adaptação às condições edafoclimáticas [aos solos e climas]”, sublinha Jorge Paiva, do Instituto de Investigação Científica Tropical e do Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica, na zona de Lisboa. “Por outro lado, permitirá compreender melhor a evolução destas espécies e como estas árvores poderão responder às mudanças climáticas.”

Repetições surpreendentes
O eucalipto tem 36.000 genes, quase o dobro dos genes do genoma humano. A equipa dedicou uma atenção particular aos genes envolvidos no crescimento rápido do eucalipto, na floração ou na formação de madeira. Um dos resultados mais importantes é que o eucalipto tem um elevado número de genes duplicados, responsável por algumas das características que o tornam uma árvore grandiosa em termos de madeira e de óleos de uso industrial e farmacêutico (em rebuçados para a tosse, por exemplo). Essas repetições ditas em “tandem”, como as designam os cientistas, são constituídas por duas sequências genéticas idênticas, uma a seguir à outra, num segmento dos cromossomas.

“[Surpreendeu-me] o número elevado de duplicações de genes em ‘tandem’”, diz Jorge Paiva. “É um dos resultados mais interessantes deste estudo”, acrescenta o biólogo molecular. “Estas duplicações parecem estar ligadas a alguns genes envolvidos na formação da madeira e à enorme diversidade de genes das vias metabólicas de óleos essenciais.”

Aliás, esta foi uma das partes em que os cientistas portugueses estiveram envolvidos, sendo responsáveis pela validação dos resultados sobre os genes em “tandem”. Jorge Paiva diz ainda que a sua equipa também ficou incumbida da “identificação e caracterização das famílias de genes ligados à biossíntese da lenhina”.

A biomassa da madeira do eucalipto é composta por quase 80% de celulose e hemicelulose, polímeros naturais que formam a parede das células vegetais. A lenhina, associada à celulose nessa parede celular, compõe a restante biomassa da madeira: é a “cola” que mantém tudo junto, ao conferir rigidez à parede das células, explica-se num comunicado do Joint Genome Instituto do Departamento de Energia dos EUA, uma das instituições coordenadoras do projecto (a investigação foi também liderada, entre outros, pela Embrapa, empresa ligada ao Ministério da Agricultura do Brasil).

“Estamos particularmente interessados na formação da madeira”, refere por sua vez Gerald Tuskan, um dos coordenadores da descodificação no Laboratório Nacional de Oak Ridge, nesse comunicado. “A nossa análise fornece uma melhor compreensão do controlo genético da disponibilização de carbono para os biopolímeros na parede celular das plantas lenhosas – um passo crucial para desenvolver plantas [melhoradas] no futuro.”

Vem aí os super-eucaliptos?
Se o rápido crescimento, a elevada produtividade de biomassa e a qualidade das fibras de algumas das espécies de eucalipto já os tornam muito utilizados na produção de madeira e de pasta de papel, também se está a encará-los como uma fonte para os biocombustíveis de segunda geração – combustíveis produzidos a partir da celulose, hemicelulose e lenhina presente na madeira das árvores.

Irá então este trabalho permitir ter no futuro super-eucaliptos, ainda mais aptos para madeira ou biocombustíveis? Antes de mais, ao controlarem-se os genes ligados à floração, por exemplo, os produtores de plantas poderão acelerar ainda mais o crescimento dos eucaliptos. Mas, impedindo a floração, também poderá travar-se a sua propagação como espécies exóticas.

“Um dos objectivos a médio-longo prazo será obter variedades mais adaptadas aos locais, e com objectivos de produção de matérias-primas específicas”, responde Jorge Paiva, referindo-se à celulose, lenhina e óleos essenciais com certos conteúdos e composições. “Tendo o eucalipto um crescimento rápido e elevada produtividade, podendo ocupar nichos em terras marginais, poderá ser uma importante fonte de biomassa para a produção de biocombustíveis de segunda geração.”

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