O electrão é tão, mas tão, redondo que pode invalidar algumas novas teorias de física das partículas

O Modelo Padrão, que descreve o mundo das partículas subatómicas que compõem a matéria visível, não explica tudo o que existe no Universo. Uma das formas de testar novas teorias, mais completas, consiste em ver quão redondo é o electrão.

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Modelo do átomo, com os electrões a orbitar o núcleo DR

Desde a detecção do bosão de Higgs que os especialistas têm andado à procura de novas teorias de física das partículas, capazes de estender o âmbito do chamado Modelo Padrão – a “fórmula” que, apesar de incompleta, ainda continua a ser a melhor descrição disponível do mundo subatómico. De todas as partículas previstas pelo Modelo Padrão, o famoso bosão de Higgs era a única cuja existência faltava provar e, feito isso, os físicos zarparam para novos horizontes.

Uma forma de procurar novas teorias para lá do Modelo Padrão consiste em tentar detectar discrepâncias em relação às previsões desse modelo nos resultados das colisões de protões que permitiram “ver” o bosão de Higgs, em 2012, no LHC do CERN, o maior acelerador de partículas do mundo (instalado perto de Genebra, na Suíça). Milhares de físicos têm-se empenhado nisso, mas, segundo as últimas notícias, ainda não foi encontrado qualquer “desvio” que permita especular sobre o tipo de “nova física” que poderá estar à espera de ser descoberta. O próprio bosão de Higgs tem, aliás, uma massa teimosamente próxima do valor previsto pelo Modelo Padrão.

Uma outra forma de tentar vislumbrar essa nova física – e que está a ser explorada por uma pequena equipa de investigadores norte-americanos – consiste em detectar ínfimas irregularidades na forma dos electrões, as partículas elementares com carga eléctrica negativa que orbitam em torno do núcleo dos átomos. Segundo as previsões do Modelo Padrão, os electrões são quase perfeitamente esféricos.

Ora, há dias, esta equipa publicou, no site da revista Science, as medições mais precisas de sempre da forma do electrão, concluindo que ele parece ser tão, tão redondo quanto previsto pelo Modelo Padrão. Mais: tão redondo que a sua forma poderá ser, segundo esses cientistas, incompatível com uma das teorias que têm sido vistas como das mais sérias candidatas a “nova física”: a supersimetria.

“Sabemos que o Modelo Padrão não engloba tudo”, diz David DeMille, da Universidade de Yale e co-autor do artigo agora publicado, em comunicado daquela universidade. “E, tal como os nossos colegas do LHC, estamos a tentar ver alguma coisa no laboratório que seja diferente do que prevê o Modelo Padrão.”

Supersimetria em causa
Porquê precisar de algo como a supersimetria? Porque tem de existir uma teoria mais lata do que o Modelo Padrão para explicar, por exemplo, o que é a matéria escura, aquela misteriosa substância que não conseguimos ver, mas que se pensa ser o principal ingrediente do cosmos.

Ora, a supersimetria permite justamente – ao postular a existência de partículas adicionais, não previstas pelo Modelo Padrão – explicar a existência de matéria escura. No mundo supersimétrico, cada partícula elementar “clássica” vem acompanhada de partículas supersimétricas que completam o panorama.

E é a presença dessas novas partículas que deveria “esmagar” os electrões de forma detectável, tornando-os ligeiramente menos redondos. Mas os resultados agora obtidos por DeMille, juntamente com John Doyle e Gerald Gabrielse, da Universidade de Harvard, sugerem que o electrão é mesmo, mas mesmo muito redondo – o que leva estes autores a afirmar que pelo menos algumas versões da supersimetria não podem estar certas.

“Algumas das partículas supersimétricas previstas por aquela teoria esmagariam os electrões, obrigando-os a adoptar uma espécie de forma ovóide”, diz Doyle. “Ora, a nossa experiência sugere que esse não é o caso, pelo menos ao nosso nível de precisão.” Nível de precisão que, diga-se de passagem, é literalmente excepcional, como deixa vislumbrar a experiência realizada por estes cientistas.

A dita experiência consistiu em medir um tipo particular de deformação dos electrões: o “momento dipolar eléctrico”, na expressão técnica. “Para imaginar o [tipo de deformação associado ao] momento dipolar, basta pensar no que aconteceria se pegássemos numa esfera perfeita, rapássemos uma fina camada a um dos hemisférios e a colássemos do outro lado, no outro hemisfério”, explica DeMille. “Quanto mais espessa fosse essa camada, maior seria o momento dipolar.”

Os cientistas mediram a forma dos electrões dentro de moléculas de monóxido de tório com uma precisão dez vezes maior do que nunca. “Para imaginar o nosso nível de precisão, pense-se num electrão que tivesse o tamanho da Terra”, prossegue DeMille. “A nossa experiência teria sido capaz de detectar a deslocação, de um hemisfério dessa bola para o outro, de uma camada dez mil vezes mais fina do que um cabelo humano.”

Conclusão: os cientistas não vislumbraram, por enquanto, qualquer deformação dos electrões – isto é, não detectaram qualquer sinal de que existam outras partículas elementares para além das do Modelo Padrão.

Mas não desistem de as conseguir ver um dia – uma vez que elas têm de existir. “Continuamos optimistas e acreditamos que, nos próximos anos, iremos conseguir sondar [a deformação dos electrões] com uma precisão ainda dez vezes maior”, diz Gabrielse. Para, talvez, virem a ser os primeiros a apanhar as partículas que se escondem para lá do bosão de Higgs.
 
 
 
 
 
 
 

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