Ninguém entende os critérios de atribuição de financiamento da FCT

Centros de investigação e universidades contestam discrepâncias que entregam a unidades de pequena dimensão verbas por cientista muito superiores aos grandes laboratórios. Reitores estão à espera de uma resposta da tutela às suas críticas.

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Por ano, os centros de investigação vão ter 70 milhões de euros para despesas correntes e estratégicas Pedro Cunha/Arquivo

As discrepâncias entre o financiamento atribuído aos vários centros de investigação na sequência da avaliação promovida pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) têm sido o principal motivo de contestação à segunda, e última, fase deste processo, cujos resultados foram conhecidos no final de Dezembro. Mesmos entre laboratórios satisfeitos com a sua classificação há protestos por causa do valor do apoio que foi definido e o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) exigiu explicações ao Governo sobre a situação.

O PÚBLICO perguntou à FCT quantas reclamações, de entre as que foram apresentadas pelos centros de investigação à segunda fase da avaliação, se prendem com o valor do financiamento. A instituição tutelada pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) não quer divulgar esses dados, limitando-se a informar que os pedidos de reclamação (a chamada “audiência prévia”) ainda “estão em análise”. Mas nas últimas semanas têm sido várias as unidades científicas que tem feito ver a sua insatisfação com o valor das verbas atribuídas no âmbito deste processo, mesmo de entre as que consideram ajustada a classificação conseguida.

“Não pedimos mais do que aquilo que precisamos e isso pode ter-nos prejudicado um bocadinho”, conta, por exemplo, Gonçalo Vilas-Boas, director do Instituto de Literatura Comparada da Universidade do Porto. A classificação deste centro como “excepcional”, a nota máxima prevista, representa para esta unidade um financiamento de pouco mais de 90 mil euros anuais. A Associação Portuguesa de Sociologia também aponta a “sistemática disparidade entre a avaliação científica e o financiamento atribuído” num comunicado assinado conjuntamente por dez unidades de investigação. “Quem foi mãos largas a pedir, acabou beneficiado”, acredita o director do Centro de Matemática Aplicada e Economia (Cemapre) da Universidade de Lisboa, Alfredo Egídio dos Reis.

As regras para atribuição do financiamento que foram divulgadas pela FCT no mês passado – já depois de conhecidos os resultados da avaliação – mostram que, de facto, o principal critério usado para a atribuição das verbas anuais para o funcionamento dos laboratórios para despesas correntes e estratégicas foram os orçamentos apresentados pelas próprias unidades de investigação. “A base para o cálculo do financiamento para o período 2015-2020 foi o financiamento solicitado por cada unidade para cumprir o programa estratégico proposto”, lê-se no documento da FCT. Ao valor pedido por cada laboratório, era retirada uma determinada percentagem (entre 20 e 64%) em função de um conjunto de critérios “considerando os resultados da avaliação e a disponibilidade orçamental”.

O PÚBLICO ordenou as 178 unidades de investigação avaliadas na segunda fase tendo em conta o rácio entre o financiamento atribuído e o número de cientistas integrados em cada centro. O resultado é uma lista totalmente diferente da que se obtém tendo em conta apenas a nota atribuída pela FCT. Só três dos 11 laboratórios aos quais foi dada classificação de “excepcional” estão entre os dez com financiamento per capita mais elevado.

No topo desta lista está o Centro de Investigação William James do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, uma instituição de ensino superior privada em Lisboa, que recebe mais de 31 mil euros anuais por cada um dos seus 11 membros integrados – e que teve classificação de “excelente”. No “pódio” desta ordenação que relaciona o financiamento atribuído com o número de cientistas, há outros dois centros que também tiveram “excelente”, ambos da Universidade do Minho. O Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil, que recebe 21.300 euros por cada um dos seus cientistas (21 integrados) e o Centro de Investigação em Psicologia, com 30 cientistas, que “valem” quase 20.500 euros por ano.

Só depois surgem dois laboratórios classificados como “excepcionais”. O I3S, do Porto, vai receber a maior fatia do financiamento desta avaliação (quase 6,2 milhões de euros por ano), mas tem 350 investigadores integrados, pelo que a verba atribuída a cada um deles é de 17.700 euros. Já o Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear da Universidade de Lisboa tem um apoio per capita de pouco mais de 17 mil euros. A discrepância de valores atribuídos por cada cientista leva a que haja centros com nota máxima, como o Centro de Matemática da Universidade de Coimbra, que recebem menos de 4500 euros por cada membro integrado.

São contas como estas que também têm sido feitas por reitores das universidades públicas e por directores de vários centros de investigação e que têm justificado críticas ao processo junto da tutela. “Não se percebe a racionalidade por trás destes valores”, comenta um reitor ao PÚBLICO. “Ninguém entende os critérios. Centros com boa nota e má nota, centros contentes e descontentes, ninguém consegue encontrar uma explicação”, defende outro responsável de uma universidade.

Reclamações em cima da mesa

O CRUP, que em Outubro, numa carta enviada a Nuno Crato, arrasou a avaliação da FCT, classificando-a de “falhanço pleno” e acusando-a de não ter “a necessária qualidade”, tem mantido reuniões com vários membros do Governo nas últimas semanas, no sentido de tentar emendar alguns dos erros apontados ao processo e as discrepâncias encontradas no financiamento às várias unidades de investigação têm sido o principal motivo de desentendimento entre as duas partes, esperando agora uma resposta definitiva da tutela às suas propostas.

Para já, os contactos mantidos entre reitores e Governo – e que já envolveram o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, com quem o CRUP reuniu em meados de Janeiro – resultaram num compromisso de que a avaliação dos recursos hierárquicos (a reclamação que se segue à audiência prévia) será feita por um novo painel de avaliadores.

Contactado pelo PÚBLICO, o MEC remete para o regulamento da avaliação e financiamento das unidades de investigação, no qual já estava previsto que a apreciação de reclamações fosse entregue a um “segundo painel de peritos independentes”, sobretudo em casos de “erros grosseiros ou de actos negligentes”. Mas o que estará em cima da mesa é uma equipa nova, totalmente independente da European Science Foundation (que fez a avaliação para a FCT) e dos centros de investigação portugueses, num trabalho articulado entre o CRUP e a FCT.
 

   

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