Medições feitas à atmosfera de Marte revelam a existência de um antigo oceano

Um quinto do planeta estava coberto por água há 4500 milhões de anos, mostram dados obtidos com telescópios da Terra.

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Representação do antigo oceano no Hemisfério Norte de Marte NASA

Marte ainda tem um ciclo hídrico, que, tal como na Terra, está dependente das suas estações. Há alguma neve a cair nos pólos no Inverno e algum gelo a transformar-se em vapor de água no Verão. Devido à finíssima atmosfera marciana, não há pressão suficiente para haver água em estado líquido. Mas no passado, há 4500 milhões de anos, Marte foi um companheiro azul da Terra. Não teve apenas grandes momentos de chuva torrencial que lavavam a superfície do planeta, como se pensava, mas um oceano duradouro que ocupou um quinto do planeta, no Hemisfério Norte, segundo o estudo publicado ontem na Science.

O tamanho de Marte foi um factor importante para a evolução da sua atmosfera. Com pouco mais de metade do diâmetro da Terra e 38% da sua gravidade, os gases que compõem a atmosfera do planeta vermelho, incluindo o vapor de água, são facilmente arrancados para o espaço.

Hoje a atmosfera de Marte tem 1% da densidade da da Terra. Mas as moléculas que restam podem ser muito informativas para se compreender o seu passado. Uma equipa internacional com cientistas do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA (EUA), do Observatório Europeu do Sul (ESO) e do Instituto Max Planck, na Alemanha, e de outros países, usaram o Very Large Telescope, um telescópio do ESO no Chile, e o do Observatório Keck, da NASA, no Havai, para medir durante seis anos os diferentes tipos de moléculas de água que restam na atmosfera de Marte. Com isso, construíram um mapa da água semipesada.

Enquanto a água normal é constituída por moléculas de H20, em que dois átomos de hidrogénio estão ligados a um átomo de oxigénio, a água semipesada tem um átomo de hidrogénio e outro de deutério ligados ao oxigénio. O deutério é um isótopo do hidrogénio. O núcleo do hidrogénio é constituído apenas por um protão, já o deutério tem, além do protão, um neutrão. Na Terra, uma em cada 3200 moléculas de água tem um átomo de deutério.

Mas esta pequena variação faz toda a diferença ao longo dos milhões de anos da história de Marte. Por serem mais pesadas, as moléculas de água com deutério têm mais dificuldade em se escaparem da atmosfera para o espaço. Assim, como a proporção de moléculas de água normal vai desaparecendo mais rapidamente, a concentração da água semipesada aumentou ao longo dos anos.

Esta evolução permite calcular o volume inicial de água existente em Marte e para isso bastam três informações: a concentração da água semipesada de Marte há 4500 milhões de anos, a concentração de água semipesada actual e o volume de água que hoje existe no planeta.

A primeira informação estava guardada no meteorito Y980459, encontrado no Japão em 1998, que veio de Marte. O volume de água actual de Marte também está estimado. Por isso, faltava estimar a concentração da água semipesada actual, que varia de acordo com o local onde é medida na atmosfera de Marte. O que fazia desta uma medição complexa. “São necessárias medições espaciais do rácio de deutério e hidrogénio em alturas diferentes do dia e das estações para desemaranhar os fenómenos locais dos fenómenos globais”, explicam os autores no artigo da Science. “Estes mapas revelam o verdadeiro rácio do isótopo dos reservatórios de água correntes [de Marte] com consequências para a perda de água global ao longo do tempo geológico.”

Estas medições foram feitas usando os espectrómetros dos telescópios da NASA e do ESO, que receberam a luz reflectida da atmosfera marciana. A espectrometria permite analisar a água semipesada, já que surge nas medições com um perfil diferente das moléculas de água normal.

Os resultados da equipa mostram que, em Marte, a actual água semipesada é sete vezes mais concentrada do que na Terra. E que Marte perdeu, ao longo do tempo, 6,5 vezes mais de água do que a que existe hoje. Por isso, o volume de água inicial de Marte seria, no mínimo, de 20 milhões de quilómetros cúbicos.

Esta quantidade chegaria para cobrir todo o planeta com uma camada de 140 metros de altura. Mas tendo em conta a topografia de Marte, o mais provável é que tenha existido um oceano no Hemisfério Norte — que tem uma grande região mais baixa do que o resto do planeta. Este oceano ocuparia 19% da área do planeta e teria uma profundidade máxima superior a 1,6 quilómetros.

A nova medição ajuda a compreender as probabilidades do aparecimento de vida ali, explica Michael Mumma, do centro da NASA e um dos autores do artigo: “Se Marte perdeu tanta água, muito provavelmente o planeta terá sido húmido mais tempo do que o que se pensava, o que sugere que tenha sido habitável durante mais tempo.”     

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