Mais de 30 mil pessoas precisariam de fármacos para combater ou prevenir a infecção do ébola

A estimativa sobre a necessidade de medicamentos e vacinas para atacar o surto do vírus em África é de cientistas britânicos. Há 17 fármacos e 12 vacinas em desenvolvimento contra o ébola: todos experimentais e em quantidades mínimas.

Foto
Doentes de ébola nas instalações dos Médicos Sem Fronteiras em Kailahun, na Serra Leoa CARL DE SOUZA/AFP

Mais de 30 mil pessoas teriam de ter tomar medicamentos ou vacinas contra o vírus do ébola durante o surto – o pior de sempre – que está a atingir quatro países da África Ocidental, calculou uma equipa de cientistas britânicos. Esta estimativa evidencia bem o dilema que enfrentam as autoridades de saúde ao distribuírem os fármacos, em quantidades diminutas a curto prazo e de eficácia ainda por demonstrar, disponíveis para combater esta febre hemorrágica.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) espera, até ao final deste ano, que os tratamentos experimentais existentes sejam melhorados e que se façam progressos no desenvolvimento de uma vacina, depois de na semana passada ter dado o seu apoio ao uso de fármacos e vacinas não testados.

Oliver Brady, epidemiologista da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e colegas processaram os números desta epidemia e concluíram que o número de pessoas que precisaria de medicamentos para tratar ou conferir protecção contra o vírus do ébola é muito grande, mesmo tendo em conta um cenário conservador.

“Provavelmente, esta procura seria mais alta do que muita gente pensaria”, escreveu Oliver Brady na revista científica Nature, num comentário na edição desta quinta-feira. “A nossa análise ainda está em bruto e tem limitações claras. Mas demonstra que os stocks têm aumentar substancialmente, para que os tratamentos e a prevenção possam ser distribuídos de forma equitativa e justa.”

Esta quarta-feira, a OMS actualizou o número de casos de ébola registados até 18 de Agosto (segunda-feira): 2473 casos de infecção e 1350 mortes. Entre 17 e 18 de Agosto, registaram-se 221 casos novos e 106 mortes, na Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa. Mas Oliver Brady diz que muito mais pessoas teriam necessitado de protecção, incluindo os familiares e as pessoas próximas de quem foi infectado pelo vírus, bem como médicos e outros trabalhadores de saúde e pessoas que lidam com os mortos.

O surto de ébola já obrigou as Nações Unidas a começarem a distribuir comida por um milhão de pessoas, o que ilustra bem a dimensão desta epidemia.

Um fármaco experimental raro, o ZMapp, já foi administrado a dois missionários norte-americanos e está neste momento a ser dado a três médicos africanos que manifestaram sintomas da doença – todos têm mostrado sinais de recuperação. Mas a empresa Mapp Biopharmaceutical, com sede na Califórnia, Estados Unidos, disse que os stocks ínfimos do ZMapp já foram gastos e a produção de mais doses demora tempo. Neste momento, a empresa está a trabalhar com a fábrica Kentucky BioProcessing, do fabricante de tabaco Reynolds American, e com o Governo dos Estados Unidos para acelerar a produção do ZMapp.

Há outros fármacos experimentais em desenvolvimento, mas não se sabe se algum funciona e todos têm ainda de ultrapassar as fases iniciais dos ensaios clínicos (que já são em pessoas). Segundo Oliver Brady, os stocks disponíveis só chegam para dezenas ou centenas de pessoas, no máximo. Apenas um tratamento, desenvolvido pela Tekmira Pharmaceuticals, no Canadá, começou ensaios clínicos para verificar a sua segurança, enquanto os outros apenas foram testados em primatas não humanos.

No total, 17 tratamentos e 12 vacinas para o ébola estão em desenvolvimento em várias empresas e instituições, segundo a BioWorld, uma publicação da Thomson Reuters. Alguns estão estagnados em estudos em animais e noutras investigações pré-clínicas há mais de uma década. “É impossível que todas as pessoas infectadas ou em risco de ficarem infecção recebam tratamento – simplesmente porque não há fármacos experimentais para todas”, diz Jonathan Ball, professor de virologia molecular da Universidade de Nottingham, também no Reino Unido, que não esteve envolvido no trabalho da equipa da Universidade de Oxford.

Tal como muitos especialistas, Jonathan Ball acredita que o surto actual vai ter um fim devido a medidas convencionais de controlo de infecções e de educação das pessoas. “Se o objectivo é impedir a doença de aparecer em humanos, então a história diz-nos que a nossa melhor forma é a vacinação. Mas isso não vai acontecer já amanhã e não resolve o problema actual na África Ocidental”, acrescenta.

O Canadá anunciou, na semana passada, a doação à OMS de 800 a 1000 doses de uma vacina experimental desenvolvida num laboratório governamental do país, apesar de nunca ter sido testada em seres humanos. Outra vacina, da GlaxoSmithKline, está à espera de aprovação da Food and Drug Administration (FDA), a agência dos Estados Unidos responsável pelos medicamentos, para se iniciarem ensaios clínicos de segurança, provavelmente já no próximo mês de Setembro.

Sugerir correcção
Comentar