Little Foot, um australopiteco que veio baralhar a origem da humanidade

Tem havido várias tentativas de datação de um fóssil de australopiteco descoberto em 1997 numa gruta da África do Sul. Agora, cientistas concluíram que o Little Foot tem 3,67 milhões de anos.

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O crânio de Little Foot na gruta em África do Sul Laurent Bruxelles/INRAP
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O crânio de Little foot Universidade de Witwatersrand/Reuters
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Ronald Clarke, o investigador sul-africano com o fóssil do australopiteco que descobriu Universidade de Witwatersrand/Reuters
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Darryl Granger (à esquerda) e Marc Caffee (à direita) à frente do detector de isótopos usado nesta experiência John Underwood/Universidade de Purdue

Little Foot, um australopiteco cujo fóssil foi descoberto há quase 20 anos, na África do Sul, terá morrido há cerca de 3,67 milhões de anos, revelou uma equipa de investigadores que fez a datação mais rigorosa deste fóssil, num estudo publicado na última edição da revista científica Nature.

As ossadas da famosa australopiteca Lucy – a mais importante representante da espécie Australopithecus afarenis, descoberta em 1974, na Etiópia – têm cerca de 3,2 milhões de anos. A nova datação de Little Foot torna-o quase contemporâneo da Lucy e aumenta a região africana onde pode ter surgido o nosso antepassado directo, o Homo habilis, defendem os investigadores.

“Isto coloca a África do Sul na corrida da evolução humana”, declarou à agência AFP o investigador Laurent Bruxelles, do Instituto Nacional de Investigação Arqueológica de Prevenção, em França, que participou no estudo. Durante décadas, o Leste de África esteve à frente da corrida.

“Com 3,67 milhões de anos de idade, o Little Foot viveu muito antes do Homo habilis, o nosso antepassado directo, que surgiu há cerca de 2,5 milhões de anos”, sublinhou Laurent Bruxelles. “Neste caso, nada se opõe a que este australopiteco sul-africano tenha  estado na origem da humanidade. Está tudo em aberto”, defendeu Laurent Bruxelles.

A margem de erro da nova datação é de 160.000 anos, segundo os cientistas, que usaram isótopos de origem cósmica para datar o fóssil. Estes isótopos, como o alumínio-26 ou o berílio-10, são originados quando os raios cósmicos atingem a superfície da Terra. Depois, quando as rochas onde estão estes isótopos ficam enterradas, os raios cósmicos já não atingem a rocha e deixa de haver a produção de mais isótopos.

Com o passar do tempo, dentro do solo, estes isótopos vão decaindo e diminuindo de número. Hoje em dia, os cientistas conseguem analisar a quantidade de isótopos de origem cósmica que restam nestas rochas enterradas. A partir daí, é possível calcular quando é que a rocha ficou enterrada. Se houver um fóssil, neste caso de um hominídeo, associado à rocha, pode saber-se quando foi enterrado e, assim, ter uma data da sua idade.

No caso deste fóssil, a idade era uma confusão. Após a descoberta do Little Foot, em 1997, numa gruta do sistema de grutas de Sterkfontein, a noroeste de Joanesburgo, iniciou-se uma batalha entre os investigadores para determinar a idade do mais completo fóssil descoberto de um australopiteco. Tinha 4,17 milhões de anos? Ou 3,3 milhões? Ou apenas 2,2 milhões? Aceitavam-se apostas.

Datação sólida
A nova datação foi feita por uma equipa internacional, onde se inclui Ronald Clarke, paleoantropólogo da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, que descobriu o Little Foot. Em 1994, Ronald Clarke deparou-se com uma caixa com vários ossos que tinham sido descobertos durante trabalhos mineiros na gruta de Silberberg. Lá dentro estavam quatro pequenos ossos de um pé de um antigo hominídeo. E decidiu chamar-lhe Little Foot. Três anos depois, quando examinou o conteúdo de uma outra caixa, descobriu mais ossos dos pés e um pedaço de tíbia do mesmo indivíduo.

Com estes indícios, a equipa de Ronald Clarke foi até à gruta e recuperou o esqueleto quase inteiro de Little Foot, que estava enterrado numa camada calcária a 25 metros de profundidade. Segundo os investigadores, o australopiteco provavelmente caiu num precipício e morreu.

Foram necessários 13 anos de escavações para retirar o Little Foot do local. O fóssil deverá ser um representante da espécie Australopithecus prometheus. Na altura, Ronald Clarke atribuiu 3,3 milhões de anos ao fóssil, com base na morfologia dos ossos hominídeo e numa primeira datação das rochas da gruta.

Depois, em 2003, o geólogo Darryl Granger (que também integra o novo estudo e trabalha na Universidade de Purdue, no Indiana, Estados Unidos), utilizou os isótopos de origem cósmica para datar os sedimentos que envolviam o fóssil. O resultado apontou uma idade mais antiga: 4,17 milhões de anos. “Mas a margem de erro era mais ou menos de um milhão de anos”, explicou agora Laurent Bruxelles.

Três anos depois, um estudo de cientistas britânicos chegou a um resultado desconcertante: afinal, o Little Foot não tinha mais do que 2,2 milhões de anos, segundo uma análise aos sedimentos à volta do seu esqueleto.

Mas Ronald Clarke não ficou convencido com este último resultado e pediu a Laurent Bruxelles, especialista na análise de rochas calcárias de grutas, para estudar a sucessão de estratos geológicos que rodeavam o fóssil. A gruta sofreu inundações, colapsos e explosões de dinamite durante a exploração mineira, o que dificultava este tipo de análise.  

Mas o cientista pôs ordem na sequência temporal dos sedimentos. E concluiu que, na realidade, os depósitos datados com 2,2 milhões de anos foram formados após a queda de Little Foot naquela gruta. O novo estudo partiu desta nova interpretação da estratigrafia da gruta.

Em seguida, Darryl Granger voltou a fazer as análises, baseando-se no mesmo método de datação mas agora com técnicas mais afinadas, o que permitiu obter uma idade mais rigorosa. Das 11 amostras de rocha recolhidas na última década, a datação de nove dá resultados consistentes, o que permite uma “datação sólida”, avança a Universidade de Witwatersrand, em comunicado.

Para Ronald Clarke, a descoberta muda a forma como se deve olhar para a evolução humana. “Demonstra que os hominídeos mais recentes, como o Australopithecus africanus e o Paranthropus, não têm de ter evoluído todos a partir do Australopithecus afarenis’, considerou o paleoantropólogo, citado num comunicado da Universidade Purdue. “Só temos um pequeno número de sítios [paleoantropológicos] e temos tendência para basear os nossos cenários evolutivos em fósseis que encontramos nesses sítios. Esta nova idade lembra-nos de que pode muito bem ter havido muitas espécies de Australopithecus que habitaram uma região muito maior de África.”

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