Lá de cima é que se vê bem

Depois do sucesso das "visões gerais" de Daily Overview, Benjamin Grant aventura-se em livro (Overview: A New Perspective of Earth). São mais de duzentas imagens construídas com fotografias tiradas a partir de satélite que dão novas panorâmicas da superfície terrestre.

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A Davis-Monthan Air Force Base é a maior base de armazenamento e preservação de aviões do mundo. Está localizada em Tucson, Arizona, EUA. A manutenção da base compete ao 309th Aerospace Maintenance and Regeneration Group e contém 4400 aparelhos militares e do Governo retirados de circulação (32,151087°, –110,826079°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Gemasolar Thermosolar Plant, em Sevilha, Espanha. Este concentrador de calor contém 2650 espelhos heliotérmicos que transformam a irradiação solar directa em energia térmica e, depois, em energia eléctrica (37,560755°, –5,331908°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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O Porto de Antuérpia, Bélgica, é o segundo maior da Europa, depois do de Roterdão, Holanda. Ao longo de um ano, o porto recebe mais de 71 mil navios e 314 milhões de toneladas de mercadoria, um peso equivalente a 68% da massa de todos os seres humanos vivos do planeta (51,320417°, 4,327546°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Todos os anos, os campos de tulipas de Lisse, Holanda, começam a florir em Março e atingem o pico no final de Abril. A Holanda produz 4,3 milhões de bulbos de tulipa todos os anos. Destes, 1,3 milhões são vendidos na Holanda como flores abertas e os restantes são exportados para o resto do mundo (52,276355°, 4,557080°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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As minas de urânio de Arlit, Níger, são as principais fornecedoras do programa de armas nucleares de França, bem como das centrais de produção de energia nuclear do mesmo país. Todos os anos, são extraídas 3400 toneladas de urânio (18,748570°, 7,308219°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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O Terminal de Carvão do Porto de Qinhuangdao, na China, é o maior do género no país. Daqui saem todos os anos cerca de 210 milhões de toneladas de carvão para fábricas de queima no Sul da China. Em 2015, dados do Governo chinês revelaram que a média de subida da queima nos anos anteriores é de mais de 17%. O que quer dizer que foi preciso somar 600 milhões de toneladas de dióxido de carbono libertado às mil milhões previamente estimadas (39,933622°, 119,683840°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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As villas de Marabe Al Dhafra, em Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos, são a casa de cerca de 2000 pessoas. Estão localizadas numa das regiões mais quentes do planeta, cujo recorde de temperatura é de 49,2º C (23,610424°, 53,702677°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Casas flutuantes no New Bullards Bar Reservoir, no condado de Yuba, Califónia, EUA. Por causa da seca severa que atingiu aquele estado nos últimos quatro anos, há cada vez menos espaço para ancoragem no lago e muitas casas flutuantes foram deslocadas para uma área de armazenamento em terra (39,398691°, –121,139347°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Olivais em Córdoba, Espanha. Cerca de 90% das azeitonas colhidas são transformadas em azeite. Os restantes 10% são comidos à mesa, como azeitonas curadas. Com o aumento das temperaturas e as variações de fenómenos climáticos, os olivais das zonas altas ou encostas têm menos probabilidades de sofrer, mas as plantações localizadas em áreas de baixa altitude ou planícies podem tornar-se totalmente estéreis (37,263212°, –4,552271°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Hagadera, à direita na imagem, é a maior secção do campo de refugiados de Dadaab, no Norte do Quénia, que dá abrigo a cerca de 100 mil pessoas. Para tentar controlar o crescimento de deslocados somalis em Dadaab, a ONU começou a deslocar pessoas para uma nova área chamada Extensão LFO, à esquerda na imagem. Dadaab é o maior campo de refugiados do mundo estimando-se que tenha 400 mil pessoas (–0,000434°, 40,364929°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Os Sun Lakes, Arizona, são uma comunidade planeada com perto de 14 mil pessoas, a maior parte idosos. De acordo com dados oficiais, apenas 0,1% dos 6683 lares abrigam crianças com menos de 18 anos (33,208518°, –111,876263°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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O Dallas/Fort Worth International Airport, Texas, EUA, estende-se por cerca de 70 quilómetros quadrados. É o décimo aeroporto mais movimentado do mundo tendo em conta o tráfego de passageiros - são mais de 64 milhões por ano (32,897590°, –97,040413°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Navios de carga (alguns dos quais com cerca de 300 mil toneladas) aguardam entrada no Porto de Singapura. Este complexo é o segundo porto mais movimentado do mundo em termos de tonelagem, embarcando um quinto dos contentores de carga e metade da oferta anual de petróleo bruto do mundo (1,237656°, 103,806422°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Ligação de duas auto-estradas em Jacksonville, Florida, EUA (30,253048°, –81,516204°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Angkor Wat, um templo no Cambodja, é o maior monumento religioso do mundo (já foi hindu e agora é budista). Construído no século XII, tem 820 mil metros quadrados e compreende um fosso e uma floresta à volta de um enorme templo, no centro (13,412505°, 103,864472°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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O distrito de Eixample, em Barcelona, é caracterizado pelas ruas em grelha e bairros com jardins comuns. Este inteligente e visionário modelo urbanístico deve-se a Ildefons Cerdà (1815–1876). O seu plano previa ruas largas que ampliam nos cruzamentos octogonais, criando assim maior visibilidade, maior exposição à luz solar, melhor ventilação e mais espaço para estacionamento de curta duração (41,393648°, 2,160437°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Praia de Ipanema, zona Sul do Rio de Janeiro, Brasil. Reconhecida como uma das praias mais bonitas do mundo, o areal é dividido em segmentos por torres de vigia, conhecidas por "postos" (–22,983606°, –43,206638°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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O Burning Man é um festival anual realizado no Black Rock Desert, Nevada, EUA. Prolonga-se por uma semana e reúne mais de 650 mil participantes por ano. É descrito pelos festivaleiros como uma experiência comunitária de arte, expressão pessoal e auto-suficiência (40, 786981°, –119,204379°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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O Central Park, em Nova Iorque, EUA, espalha-se por 341 hectares, o que representa 6% da área total da ilha de Manhattan. Uma das inovações do parque consiste na separação da circulação de pessoas, bicicletas, cavalos e carros. Tem vários campos de ténis e de basebol, pista de patinagem no gelo e piscina (40,782997°, –73,966741°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Escória e subprodutos gerados pela actividade mineira na bacia de Gribbens, perto das Empire and Tilden Iron Ore Mines, em Negaunee, Michigan, EUA. Quando estes materiais são bombeados para a água forma-se uma lama que, por sua vez, é filtrada em câmaras de separação magnética a fim de extrair minério (46,407676°, –87,530954°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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O Southern California Logistics Airport, Victorville, Califórnia, abriga mais de 150 aviões retirados de circulação. Por causa da queda da procura por aparelhos de grande envergadura nas últimas duas épocas muitos Boeing 747 ou o Airbus A380 saíram do mercado. As condições atmosféricas secas de Victorville (localizada no limite do deserto de Mojave, limita a corrosão do metal (34,611367°, –117,379784°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Nishinoshima é uma ilha vulcânica localizada a 940 quilómetros a sul de Tóquio, Japão. Em Novembro de 2013 começou uma erupção que se prolongou até Agosto de 2015. No decurso da erupção a ilha cresceu de 0,06 para 2,3 quilómetros quadrados (27,243362, 140,874420) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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O Rub’al Khali é o maior deserto de areia do mundo. Estende-se por 650 quilómetros quadrados e inclui partes da Arábia Saudita, Omã, Iémen e Emiratos Árabes Unidos. No meio do deserto existem formações sólidas que há milhares de anos já foram lagos pouco profundos. Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Sistemas de drenagem dendríticos na lagoa de Shadegan, baía de Musa, Irão. A palavra "dendítrico" vem do grego, dendron (galho) e é usada para caracterizar bacias hidrográficas com muitos afluentes e sub-afluentes que fazem lembrar ramos de uma árvore e onde a água se move por cima de rochas lisas e uniformes, superfícies que resistem melhor à erosão (30,327274°, 48,829255°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Lagoas de evaporação visíveis na mina de potássio de Moab, Utah, EUA. A mina produz muriato de potássio, um tipo de potássio que contém o sal que o principal componente de fertilizantes (38,485579°, –109,684611°) Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.
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Muitas cidades do estado da Florida foram concebidas ao pormenor por cima de cursos de água na segunda metade do século XX. Há muitas comunidades com um desenho urbanístico intrincado, como esta em Delray Beach Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.

Faz parte da natureza humana procurar constantemente novas perspectivas, diferentes abordagens do que nos rodeia. Quando nos foi permitido ver o globo terrestre do espaço nasceu não apenas uma ponto de vista radicalmente diferente do que até aí tínhamos experimentado, mas também uma alteração filosófica sobre a nossa representação e sobre a nossa posição no cosmos (ainda que de forma infimamente parcial). Não é por acaso que a fotografia do globo terrestre (e um bocado da Lua) que o astronauta William Anders tirou na véspera do dia de Natal de 1968 é considerada uma das mais icónicas de sempre. Porque, de certa forma, foi ela que inaugurou "um olhar distanciado" do lugar onde estamos, com tudo o que cognitivamente essa percepção pode originar. E originou muito, das artes à astrofísica, das ciências do espaço às ciências sociais e humanas. Logo no ano a seguir (quando o Homem pisou a Lua) David Bowie cantava em Space Oddity:

(...)

I'm stepping through the door

And I'm floating in a most peculiar way

And the stars look very different today

For here

Am I sitting in a tin can

Far above the world

Planet Earth is blue

And there's nothing I can do

(...)

Daí até hoje, o que aconteceu visualmente foi uma espécie de zoom in à superfície que habitamos, uma aproximação lenta, que foi sendo feita à medida das possibilidades técnicas, das modas e das políticas (de segurança e outras).

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Fotografia de Bill Anders tirada a 24 de Dezembro de 1968, durante a missão Apolo 8 da NASA NASA/Bill Anders

Inspirado nesse momento fundador da visualidade e no "efeito de visão geral" experimentado por Bill Anders no dia 24 de Dezembro de 1968 (que lhe deu a visão da Terra como "um todo"), o norte-americano Benjamin Grant (um consultor de estratégia de marca de Nova Iorque) começou a publicar nas redes sociais imagens tiradas a partir de satélites que nos dão panorâmicas muito peculiares (e cativantes) da superfície terrestre.

Depois do enorme sucesso do projecto Daily Overview nos ecrãs, Grant decidiu aventurar-se no suporte livro ("Overview: A New Perspective of Earth", já disponível em alguns países, como o Reino Unido e Alemanha). "Da nossa linha de visão a partir da superfície na Terra, é impossível apreciar em pleno a beleza e a confusão das coisas que já construímos, a complexidade dos sistemas que já desenvolvemos ou o impacto devastador que já tivemos no nosso planeta", afirma Grant no texto introdutório. Para este consultor, a divulgação e a contemplação destas "visões gerais" que mostram como a Terra foi sendo moldada "são necessárias para avançar na compreensão sobre o que somos como espécie” e para “conseguirmos um planeta mais seguro e sustentável".

Com uma nítida mensagem ecológica, as imagens do livro focam-se “nos lugares e nos momentos em que a actividade humana – para o melhor e para o pior – moldou a paisagem. “Cada ‘visão geral’ começa com um pensamento. Escolhemos lugares onde o Homem deixou a sua marca no planeta e depois fazemos a investigação necessária para identificar o território (e as coordenadas geográficas correspondentes) e para transmitir melhor essa ideia de alteração.”

Grant, que conseguiu uma autorização da empresa DigitalGoble para usar as imagens captadas pelos seus satélites (cujo principal cliente é o Governo dos EUA), tem esperança de que o “nivelamento hipnotizante”, o “conforto surpreendente da organização sistemática a uma escala gigante” ou as “cores vibrantes” das fotografias nos deslumbrem. E que, uma vez captada a nossa atenção, “possamos ir para além da estética, contemplando o que estamos a ver exactamente” de maneira a colocar em causa o que é que estas imagens significam para o planeta.

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O Central Park, em Nova Iorque, EUA, espalha-se por 341 hectares, o que representa 6% da área total da ilha de Manhattan. Uma das inovações do parque consiste na separação da circulação de pessoas, bicicletas, cavalos e carros Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.

Estas imagens de efeito “visão geral” não sendo novas (hoje temos drones a fazê-las por todo lado e antes deles já tínhamos a Apple Maps ou o Google Earth, que também usam os serviços da DigitalGlobe) têm um distanciamento e uma correcção de cor que as tornam mais apelativas e, de certo modo, “viciantes” (dão-nos a ilusão de um poder controlador e de uma visão privilegiada).

No livro, Grant revela como tudo começou com “um acidente”, quando estava “a brincar” na Net com um programa de mapeamento com o intuito de se preparar para um encontro de um clube que discute questões relacionadas com o espaço. Para esse encontro, a conversa incidiria sobre a forma como os satélites têm um efeito na nossa vida quotidiana. Quando escreveu a palavra “earth” no motor de pesquisa para conseguir fazer um zoom out, que desse uma visão geral da Terra, o que lhe surgiu no ecrã foi a localidade de Earth, no Texas. “Quando carreguei no enter, o que aconteceu foi o contrário do que estava à espera, [o programa] fez um zoom in”. Grant diz ter ficado “estupefacto” com o que viu. E o que viu - para além de um pionés de cabeça vermelha com um balão a dizer “Earth, TX” - foi “uma miscelânea impressionante de círculos verdes e castanhos”. “Salvei a imagem e mostrei-a aos meus amigos; também ficaram espantados.” O que Grant viu nesse dia, a partir de uma perspectiva muito particular, foi uma miríade de campos com sistemas de irrigação de pivot, que ficaram com um padrão circular criado pelos borrifadores usados em culturas de água.

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O Terminal de Carvão do Porto de Qinhuangdao, na China, é o maior do género no país. Daqui saem todos os anos cerca de 210 milhões de toneladas de carvão para fábricas de queima no Sul da China Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.

O consultor, a quem muitos já chamam artista, confessa que foi esta “visão” que o ajudou a perceber que são necessárias “mudanças dramáticas na maneira como vemos o planeta”, antes de “compreendermos verdadeiramente a extensão do impacto que nele temos”. “Para mim, mudou tudo depois de ver aqueles círculos de colheita.” Uns dias depois dessa “epifania”, criou nas redes sociais o Daily Overview, onde desde então publica novas “visões gerais” cada dia.

O livro contém mais de 200 imagens, cada uma concebida através da colagem de várias fotografias de satélite. A fonte é a biblioteca de imagens da DigitalGlobe, a empresa que guarda as fotografias de mais alta qualidade do género e que, ao longo dos últimos 15 anos, tem sido enriquecida com sequências de imagens que permitem fazer exercícios do tipo antes e depois.

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Praia de Ipanema, zona Sul do Rio de Janeiro, Brasil. Reconhecida como uma das praias mais bonitas do mundo, o areal é dividido em segmentos por torres de vigia, conhecidas por "postos" Imagens (c) 2016 by DigitalGlobe, Inc.

Para além do poder do efeito “visão geral”, Grant confia no poder das palavras e das legendas aprofundadas sobre cada um dos locais para que a fruição das imagens não seja “apenas” lúdica. E deixa o desejo de que o livro possa “despertar a mesma curiosidade acerca do planeta” que nele desperta a cada parcela da Terra vista de cima que, diariamente, nos dá a ver.

Nota: Todas as imagens reproduzidas com a autorização de Overview, Benjamin Grant, copyright (c) 2016, publicado por Amphoto Books, uma divisão da Penguin Random House, Inc.

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